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Em 1970, Janis Joplin queria aprontar um miniWoodstock no Rio, na Praça General Osório, Ipanema. Os "homens" proibiram. Em 1981, mesmo com a ditadura nos estertores, Joan Baez foi proibida de cantar no Brasil. Janis incitava à anarquia, Joan à revolução. Cito as duas de propósito porque representam dois polos da contestação: Janis, a dionisíaca, morreu de overdose na idade protocolar de 27 anos (como Brian Jones, Jimi Hendrix, Jim Morrison, Kurt Cobain, Amy Winehouse). Joan, a apolínea, é uma sobrevivente, e segue serena na luta por um mundo melhor, armada só da voz. Ela abre assim seu livro de memórias de 1987, And a Voice to Sing With:

"Nasci com um dom. Posso falar de meus dons com pouca ou nenhuma modéstia, mas com tremenda gratidão. Precisamente porque são dons e não coisas que eu criei, ou ações que me deixariam orgulhosa. Meu maior dom, brindado a mim por forças que contradizem genética, ambiente, raça ou ambição, é uma voz para cantar. Meu segundo grande dom, sem o qual eu seria uma pessoa inteiramente diferente, com uma história inteiramente diferente para contar, é um desejo de compartilhar aquela voz, e aquelas recompensas que ela me trouxe, com outras pessoas. Daquela combinação de dons, criou-se uma riqueza incomensurável – uma riqueza de aventuras, de amizades e de alegrias."

Joan Baez nasceu em Nova York, em 1941, de mãe escocesa e pai mexicano, ambos criados nos Estados Unidos a partir da infância. O pai formou-se em física, a mãe ensinava literatura e teatro e ambos eram pastores: ela episcopal, ele metodista. (Joan foi pastorear outro rebanho...) Cedo cantou em corais e aprendeu violão. Aos 17, era atração no Club 47, em Cambridge, Massachusetts; aos 18, tornou-se estrela da noite para o dia no Newport Folk Festival de 1959. Sua matéria-prima básica era a canção folclórica americana. Algo que Bob Dylan perseguia também, mas de modo mais aguerrido. O ídolo e mentor de Dylan, Woody Guthrie, tinha um lema colado na sua guitarra: ESTA MÁQUINA MATA FASCISTAS. Dylan também partiu do folk, mas injetou nele maior complexidade com suas letras apocalípticas e ao trocar o acústico pelo elétrico. Dylan e Baez foram amantes entre 1963 e 1965. Ela impulsionou a carreira dele, apresentando-o em seus shows; Dylan nunca retribuiu a cortesia, embora Joan o acompanhasse na turnê europeia. O Casal 20 da Canção de Protesto durou três anos. Dylan discutiria o relacionamento na canção Visions of Johanna, de 1966; e Joan, dez anos depois, em Diamonds and Rust.

Com sua voz cristalina e seu violão acústico, Baez colocou seu folk purista a serviço da causa dos direitos civis. We Shall Overcome tornou-se seu hino oficial. Seu pacifismo sempre incomodou. Foi acusada de agitadora durante as passeatas de Berkeley. Um jornal a chamou de "pacifista muito ativa." Ganhou os apelidos de Musa do Protesto, Madona dos Desprotegidos e Pasionária do Folk, alusão à grande revolucionária espanhola Dolores Ibárruri (1895-1989). Joan dotou como cartilha política o livro Desobediência civil, de Henry David Thoreau, que inspirou líderes pacifistas como Leão Tolstói, Gandhi, Martin Luther King, Bertrand Russell. Em 1848, Thoreau foi preso por recusar-se a pagar impostos, alegando que aquele dinheiro sustentava a escravidão e a Guerra contra o México.

Baez fez o mesmo em protesto contra a Guerra do Vietnã; e em 1967 passou o Natal e o Ano Novo na cadeia. Em 1968, casou-se com o líder estudantil David Harris (cinco anos mais moço), ameaçado de prisão por se recusar a lutar no Vietnã. O casamento acabou em 1973 e o filho Gabriel ficou com Joan (é o baterista da sua turnê brasileira). Joan disse: "Fui feita para viver sozinha." No início dos anos 80, teve um caso com Steve Jobs; ela o cita nos agradecimentos do livro de memórias: "Obrigada a Steve Jobs, por me forçar a usar um processador de textos, instalando um na minha cozinha." Joan visitou Jobs pouco antes de sua morte e cantou no seu memorial. Recentemente ela lembrou, com boa dose de humor: "Uma repórter me falou certa vez: ‘Quer dizer que você é a única mulher que já viu os dois pelados, Dylan e Jobs?’ E eu: ‘Sim, mas não ao mesmo tempo!’"

Joan revelou, antes desta turnê, que em 1981, mesmo proibida de cantar aqui, foi levada por Eduardo Suplicy, patrono da turnê, ao Teatro da Universidade Católica de São Paulo e, no meio do público de outro espetáculo, sem a polícia por perto, "eu fiz o meu show, bem silencioso, sem nenhum instrumento, só com a voz."

O Brasil esperou por Joan Baez mais tempo do que pelo Papa e por Frank Sinatra. Mas há dádivas que valem qualquer espera, por mais longa que seja.

JOAN BAEZ NO BRASIL • 19/3: Porto Alegre – 21/3: Rio de Janeiro – 23 e 24/3: São Paulo.We Shall Overcome, ao vivo, 1965:http://www.youtube.com/watch?v=lnFwR8G6u2g

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