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 | Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Ilustração: Felipe Lima

John Cheever escreveu sobre a classe média norte-americana como nunca ninguém havia feito antes dele. Trabalhando nos anos 1940 e 50, virou referência obrigatória para autores que viriam depois dele, dispostos a retratar o mesmo ambiente – Richard Yates, John Updike e Richard Ford são três deles.

Os 28 Contos de John Cheever, que a Companhia das Letras acaba de publicar, são uma seleção feita pelo jornalista Mario Sergio Conti a partir do livro The Stories of John Cheever.

Conti é o responsável também pelo bom prefácio que explica a influência do autor na época em que saía, sistematicamente, nas páginas da revista The New Yorker, e hoje, quando poucos parecem dar atenção à sua obra.

Cheever escreve sobre os prazeres da vida em família, da mediocridade aparentemente feliz em que a maioria procura se acomodar. A tensão se insinua nas narrativas, como se fosse parte da paisagem. Os sobressaltos são, em alguma medida, delimitados por um mundo de eventos cotidianos: a compra de um rádio misterioso que transmite o que se passa nos apartamentos vizinhos do prédio onde moram os protagonistas de "O Enorme Rádio"; ou a chance de trabalho que leva a família de "Ó Cidade dos Sonhos Falidos" até Nova York.

Existe algo de aconchegante no texto de Cheever, na maneira como ele consegue, logo na arrancada de um conto, criar um cenário vívido e personagens palpáveis. "O sr. e a sra. Hartley chegaram com a filha Anne à pousada Pemaquoddy numa noite de inverno, após o jantar, bem na hora em que começavam as partidas de bridge", escreve, nas primeiras linhas de "Os Hartley".

Começar a ler uma história escrita por Cheever tem o efeito de entrar numa sala depois de abrir a porta: os personagens e o cenário estão ali, bem na sua frente.

No prefácio, Conti explica que o trabalho de Cheever foi, desde sempre, identificado com o que chamavam de "contos da New Yorker". O termo previa um entretenimento suave, como queria o editor Harold Ross, sem violência, sexo ou expressões chulas. Também não havia espaço para experiências formais.

Mais tarde, o padrão New Yorker geraria desconfiança nas universidades e se tornaria sinônimo de concessão para um público conservador. "E Cheever foi reduzido a expoente dessa pretensa subliteratura", explica Conti.

Na segunda metade de 1990, a mesma New Yorker que havia publicado os contos de Cheever, deu início uma série de seis partes com os diários do autor. Eles mostravam um homem atormentado por um casamento infeliz que se debatia com a sua homossexualidade reprimida (mas nem tanto) e com o alcoolismo.

Daí a discrepância entre os temas sobre os quais escrevia e aqueles que permeavam a sua vida. Vez ou outra, ele chegava a levar questões pessoais para a ficção – o conto "Adeus, Meu Irmão" fala da relação difícil de uma família com o filho problemático, refletindo de certa forma os problemas que Cheever tinha com o irmão, também alcoólatra.

Nas histórias que escrevia, as pessoas têm nomes como Mildred-Rose e Madge Beatty, e costumam passar as férias numa casa de veraneio numa ilha em Massachusetts, gastam tempo discutindo um casaco de pele ou qualquer outra coisa comprável. Nesse universo de aparência pacata, há sempre um ruído. Algo está fora do lugar. Um desastre, prestes a acontecer.

Serviço: 28 Contos de John Cheever, Mario Sergio Conti (org.). Tradução de Jorio Dauster e Daniel Galera. Companhia das Letras, 360 págs., R$ 41.

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