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Ópera de Guangzhou: design de Zaha Hadid transmite sensação de corpos em movimento | Divulgação
Ópera de Guangzhou: design de Zaha Hadid transmite sensação de corpos em movimento| Foto: Divulgação

É revelador de como anda a arquitetura hoje, que a casa de ópera mais deslumbrante construída em décadas esteja localizada num novo e convencional bairro comercial na periferia de Guangzhou, China, não conte com uma companhia própria e ofereça uma programação de segunda categoria. E, como aqui é a China, um país que ainda sofre as dores do crescimento cultural e cujos monumentos arquitetônicos, na sua maioria, estão sendo erguidos por trabalhadores migrantes pouco qualificados, a construção da ópera passou por problemas, alguns dos quais imensos.

Ainda assim, para os amantes da arquitetura dispostos a uma visita, isso provavelmente não terá grande importância. Desenhado por Zaha Hadid, a nova Ópera de Guangzhou é linda de se olhar. Também é um magnífico exemplo de como um único edifício pode resgatar um ambiente urbano moribundo. Suas formas fluidas – que têm sido comparadas a um rochedo no leito de um rio, as superfícies erodidas pelo curso d’água – destaca, súbito, a energia do entorno, de modo a que se veja toda a área com outros olhos.

É difícil imaginar que aquele lugar em Guangzhou parecesse particularmente promissor quando Hadid o viu pela primeira vez. O projeto fica às margens de um parque imenso e sem graça que ocupa um lugar central no mapa do bairro, a cerca de quinze minutos de carro do centro velho da cidade.

Mas a beleza do design de Hadid deriva em parte da habilidade com que ela costura suas formas a esse contexto insípido. Chegando à casa de ópera a partir do parque, os visitantes sobem uma escadaria ou seguem por uma rampa comprida que, num ângulo diagonal, cruza um pequeno espaço secundário, também destinado a performances, antes de chegar a uma praça defronte à entrada do auditório principal. Ali, os contornos do granito e do vidro se projetam sobre a praça. Quanto ao auditório secundário, com cerca de metade do tamanho do maior, surge como uma grande pedra escura ligeiramente recuada e à direita.

Para alguns, as praças evocam os espaços públicos alienantes dos quadros de Chirico e dos filmes de Antonioni. E um dos objetivos de Hadid, ao longo dos anos, tem sido o de reabilitar esse tipo de extensões vazias, que perderam o apelo nas décadas de 70 e 80. A diferença está na capacidade da arquiteta de transmitir uma sensação de corpos em movimento.

O design, aqui, nunca é estático; não há o sentimento opressivo de controle encontrado, por vezes, na arquitetura clássica, com suas linhas perpendiculares rígidas. Para onde quer que se vire, rotas inesperadas se abrem, de modo a que o visitante nunca se sinta manipulado pela arquitetura.

A experiência de abertura e possibilidade continua já dentro do auditório, um salão de catedral arejado e equipado com camarotes percorrendo toda a curva externa em torno do espaço para as performances, com 1,8 mil assentos. A luz entra através de uma janela facetada que envolve a frente da sala; à noite, enxerga-se o horizonte cintilante da cidade. Os assentos ficam dispostos num padrão ligeiramente assimétrico, cercando o palco por três lados, com camarotes em cascata e dispostos em curva descendente à frente do palco.

No teto côncavo, espalham-se milhares de pequenas luzes, de modo que, quando as principais são apagadas, antes do início de um espetáculo, a sensação é de estar sentado sob a abóbada iluminada de um céu noturno. O auditório menor, em comparação, é um espaço de 440 lugares, o tipo de caixote escuro que pode ser facilmente reconfigurado para se adequar às necessidades dos artistas e, nas últimas décadas, tornou-se um anexo onipresente nas salas de concerto.

Mas a maior surpresa é a maneira como os vários espaços se conectam. Escadas descem de ambos os auditórios para uma praça embaixo, a qual, no futuro, terá algumas lojas e um café. Dali, pode-se subir a rampa em espiral de volta à praça principal ou caminhar em torno de um espelho d’água que se estende na direção ao parque.

Quanto aos problemas de construção, muitos dos 75 mil painéis de pedra na fachada foram tão precariamente fabricados que já estão sendo substituídos. Alguns dos acabamentos em gesso nos saguões parecem obra de um operário sem treinamento que nunca havia trabalhado com uma espátula antes. Mas vale lembrar os desafios enfrentados por muitos dos primeiros modernistas, que levaram os métodos de construção ao limite em sua busca por um novo tipo de arquitetura, sem conseguir, muitas vezes, encontrar alguém com equipamento ou know-how para acompanhá-los.

Isso ocorreu, em especial, naqueles países mais subdesenvolvidos – e que, por isso, abraçaram a modernidade com particular fervor. Em alguns aspectos, a China se parece com a Itália na virada do século passado, ou a Rússia em 1920 – países cuja fé na modernidade era movida, em parte, por insegurança quanto a seu próprio atraso relativo. Vista sob essa luz, a Ópera de Guangzhou é um monumento a certa encruzilhada em que se encontra a China.

Tradução de Christian Schwartz

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