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Cena do filme As Viagens de Gulliver, inspirado em Swift e com Jack Black no elenco: estreia prevista para a próxima sexta-feira | Hy*drau”lx/20th Century Fox
Cena do filme As Viagens de Gulliver, inspirado em Swift e com Jack Black no elenco: estreia prevista para a próxima sexta-feira| Foto: Hy*drau”lx/20th Century Fox
  • Retrato de Jonathan Swift feito em data indeterminada pelo pintor Francis Bindon

Grandes clássicos têm essa vantagem: sua leitura nunca se esgota. Viagens de Gulliver é um exemplo dos melhores. Quem carimbou seu passaporte em Lilipute aos 12 anos divertiu-se como nunca com os famosos homenzinhos de 15 centímetros.

Já os que lá voltaram duas, três décadas depois, viram nas mesmas paisagens um outro mundo, não menos engraçado, porém bem mais perturbador.

Pois o que era fantasia pura, com sequências de humor escatológico e ficção científica tingida de conto de fadas, torna-se, na releitura, uma reflexão sarcástica e profundamente pessimista sobre a condição humana.

Os leitores que retornam a Gulliver veem-se diante de uma sátira implacável à chamada civilização e seus modelos de política, sociedade, ciência, justiça e educação.

Nessa nova e excelente tradução, o poeta Paulo Henriques Britto não apenas retoma a linguagem pitoresca da época (início do século 18) como encontra o tom exato da ironia elegante do satirista irlandês.

A tarefa não é simples, pois Jonathan Swift (1667-1745) fazia ataques virulentos às instituições que odiava com desconcertante leveza – mal se percebe que ele, muitas vezes, está no fundo gritando de um púlpito, com o dedo apontado.

As muitas e disparatadas implicações políticas do livro são avaliadas nessa nova edição num texto memorável do escritor e ensaísta George Orwell (1903-1950).

Há também uma introdução valiosa de Robert DeMaria Jr., que nos coloca no contexto da Inglaterra de Gulliver – o estudioso revela, em notas por vezes minuciosas demais, a chave para muitos dos personagens e situações reais que surgem, aqui e ali, disfarçados em anagramas e lances jocosos.

Mas o melhor mesmo é avançar além de Lilipute – a primeira e mais conhecida viagem, levada agora ao cinema – e chegar aos países menos explorados da imaginação de Swift, nos quais suas ideias, ora reacionárias, ora progressistas, ficam mais claras.

Em Brobdingnag, por exemplo, terra de gigantes, há um contundente manifesto pacifista na forma de uma conversa entre o crédulo Gulliver e o rei descomunal que o hospeda.

A mesma viagem, no entanto, revela a curiosa aversão de Swift pelo corpo humano, o sexo e suas emanações hormonais, aqui aumentadas de forma asquerosa por força da lógica interna da fantasia.

Em outro momento, o autor parece professar igualdade de gêneros através de seu quase alter ego para logo em seguida elogiar o pré-totalitarismo dos Houyhnhnms (humans?), no distante Oriente.

São cavalos de pose aristocrática, indiferentes à morte, às paixões, ao prazer e ao progresso. Aparentemente, é o que fazia a cabeça de Swift, um anarquista conservador, na definição de Orwell.

Pensando bem, nada tão estranho ao nosso mundo de miudezas e enormidades, a um só tempo respeitador das diversidades e preconceituoso, politicamente correto e injusto.

Serviço:

Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift. Tradução de Paulo Henriques Britto. Penguin & Companhia das Letras, 448 págs., R$ 26.

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