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Cannes – Foi a mais inesperada das Palmas de Ouro. O júri presidido por Wong Kar-wai atribuiu o prêmio do maior evento de filmes de arte do mundo para um veterano de muitas guerras na Croisette, o inglês Ken Loach. Inesperada, sim, porque se falava muito em Pedro Almodóvar, em Sofia Coppola, mas surpreendente, não. The Wind That Shakes the Barley (em francês, Le Vent Se Leve) é um belo filme de um diretor que tem nos confrontado muitas vezes com a História. Autor de filmes estilizados, eróticos, filmes de gênero que, em geral, descontrõem a narrativa, Kar-wai não parecia ser particularmente seduzido pelo realismo de cena e pela urgência de Ken Loach.

A Palma está em boas mãos. Ao agradecer o prêmio, o diretor de The Wind That Shakes the Barley disse que seu filme é um primeiro passo no sentido de confrontar o público com o imperialismo inglês. Talvez, disse Loach, ao falar do passado, possamos entender o presente e, no fundo, é o que lhe interessa. A história, que se passa na Irlanda dos anos 1920, quando parte dos nacionalistas que combatiam os invasores ingleses aceitam um acordo de paz desfavorável – e que terminou sendo o ponto de partida para a verdadeira guerra civil que, durante décadas, ensanguentou o país –, é só pretexto para que o diretor fale, metaforicamente, da Inglaterra de Tony Blair e do que está ocorrendo no Iraque, por exemplo. Foi um prêmio político, que o júri (Kar-wai, Monica Bellucci, Lucrecia Martel, Samuel L. Jackson, Tim Roth, Patrice Leconte, Helena Bonham Carter) atribuiu por unanimidade. Pode não ter premiado o melhor filme, nem o melhor filme de Ken Loach, porque ele já veio muitas vezes aqui, concorrendo nesse espaço sagrado do cinema de arte, mas foi um prêmio defensável, digno, emocionante.

Houve escolhas, essas sim, surpreendentes – o grande prêmio para Flandres, de Bruno Dumont, mas haviam boatos de que era o filme favorito do júri e só não seria premiado porque teria causado irritação o que disse o próprio diretor. Seu final era muito mais explosivo, mas ele achou que valeria atenuá-lo em nome do diálogo com o grande público. O prêmio de melhor atriz distribuído entre as mulheres de Volver recompensou não apenas um conjunto de mulheres extraordinárias (Penélope Cruz, Carmen Maura, Lola Duenas, Blanca Portillo), como – e Wong Kar-wai o disse, com todas as letras – o grande diretor que tem investigado com tanta sensibilidade o universo feminino. A intenção foi boa, mas Almodóvar, que ganhou também o prêmio de roteiro, visivelmente não gostou. Sua cara foi de desapontamento. Ele esperava, finalmente, sua Palma de Ouro, depois de vê-la escapar com Tudo Sobre Minha Mãe e Má Educação.

Em contrapartida, o elenco masculino de Indigénes, de Rachid Bouchareb, recebeu como consagração o prêmio coletivo que o júri lhe atribuiu. Jamel Debbouze, Samy Naceri, Roschidy Zem, Sami Bouajila, Bernard Blanca são todos descendentes daqueles norte-africanos (da Argélia, do Marrocos, da Tunísia) que deram a vida para libertar a França durante a Segunda Guerra (embora todos eles fossem alvo de discriminação e racismo no Exército francês). Sem revanchismo, esse filme forte equivale a um acerto de contas com um passado que a França nunca quis encarar. Um dos favoritos para a Palma de Ouro, Alejandro Gonzalez Iñarritu também recebeu como um signo de consagração o prêmio de direção, por Babel, seu poderoso filme sobre a globalização. O perfil político da premiação inclui o prêmio do júri para Red Road, mesmo que o filme da diretora estreante Andrea Arnold tenha mais defeitos do que qualidades.

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