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Sei que o mundo vai melhorar, porque o destino humano é melhorar, mas também sei que sempre haverá problemas, até porque novas soluções trazem novos problemas. Como sei? Porque quanto mais lavo louça mais louça tem pra lavar.

Sei que o Brasil também melhora. Os poderes públicos já não podem fazer o que bem entendem com nosso dinheiro, têm de prestar contas! Tem até político se achando assediado pela imprensa e perseguido pelo povo! Mas eles sempre vão dar um jeito de disfarçar, esconder a sujeira, enganar a gente, enrolar os promotores. Porque quanto mais lavo louça mais louça tem pra lavar.

Esse tal nepotismo já foi bananoso, um político empregava mais parente que banana em cacho. Depois passou a ser nepotismo cajueiro, o político é a castanha com salário-caju polpudo, engordado pelos salários dos assessores. Com a transparência, vai chegar um tempo em que político só vai poder ganhar o que tem mesmo a receber. E, se o povo continuar abrindo o olho, talvez chegue até um tempo em que político só vai poder aumentar o próprio salário na mesma proporção do salário mínimo. Mas eles darão um jeito de inventar alguma artimanha, porque quanto mais lavo louça...

...mais louça tem pra lavar, sempre penso nisso quando vejo juiz defendendo o privilégio de ter dois meses de férias. A Justiça, que devia ser símbolo de igualdade, defende seu privilégio com uma tenacidade só comparável à sua morosidade. Dizem que é atividade "estressante"...

Um poceiro abriu fossa aqui na chácara, garantindo que faria o serviço em quatro dias. Duvidei: uma fossa de 12 metros de fundo em três dias? Mas o homem começou a cavar e logo sua cabeça já estava ao nível do chão. E tinha de encher a fossa velha com a terra da fossa nova, que trabalheira! Comia de marmita, tirava um cochilinho em sombra de árvore, depois pegava a pá e recomeçava. No final do quarto dia, entregou a fossa prontinha. Paguei a mais, ele contou as notas com dificuldade, de tão calejadas as mãos, e já ia devolvendo dinheiro, quando falei que era gorjeta. Agradeceu muito, e se foi feliz, sem demonstrar qualquer estresse. Deve gostar do que faz, ao contrário dos juízes. E, quando for fazer uma nova fossa, decerto encarará com a mesma garra, porque...

...quanto mais lavamos louça, mais louça tem pra lavar. É assim a vida, dizia vó Sebastiana: quem menos tem é quem mais dá, mas no fim das contas ganha mais.

– Mas que contas serão essas, vó? – um dia perguntei e ela respondeu tranquila:

– Ah, Deus sempre acerta todas as contas...

Lavar louça é para mim ação religiosa, no sentido original da palavra, de estar ligado nas coisas, ver o divino em tudo. Nos finais de semana, sem nossa cuidadora da casa, eu lavo louça. Se cozinho, deixo tudo lavado, a pia limpinha. Sei que haverá depois a louça do almoço para lavar, mas não será um castigo, será prêmio, porque quem lava louça não deve esperar elogio nem aplauso, mas apenas mais louça para lavar, e agradecer por isso.

Sei que o país navega acima das marolas internacionais porque tem muita gente que lava sua louça, faz seu trabalho com prazer, paga suas contas direitinho, ajuda os outros sem criar ONG nem esperar qualquer compensação. E é essa gente que vai continuar com o país nos trilhos da ordem e do progresso.

É gente que sofre por viver sob a ditadura dos três dragões – a super-corrupção, a super-burocracia, a super-tributação – mas também gente que não fica com lamentação. É gente que vai em frente, todo dia, porque sabe que quanto mais a gente lava louça mais louça tem pra lavar, graças a Deus.

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