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A evolução | Reprodução/G1
A evolução| Foto: Reprodução/G1

São Paulo – Entre 1939 e 1943, a garota Liesel Meminger escapou três vezes de morrer. Saiu suficientemente viva das três ocasiões para que a própria morte, de tão impressionada com a audácia da menina, decidisse ela mesma nos contar essa história. Eis o ponto de partida de A Menina Que Roubava Livros, que trouxe notoriedade ao jovem australiano Markus Zusak – com apenas 31 anos, ele figurou durante 43 semanas na lista de best sellers do jornal The New York Times.

Lançado no Brasil pela editora Intrínseca (500 páginas, 40 reais), A Menina Que Roubava Livros foi inspirado nas histórias que Zusak ouviu dos pais, sobreviventes da Segunda Guerra Mundial. É sugestivo, portanto, que a menina Liesel, abandonada pela mãe para não padecer, como ela, nas mãos dos nazistas, escape do que seria uma fatalidade precoce.

Pelo teor, a trama foi lançada em alguns países como um livro para jovens; em outros, direcionado a adultos.

O que interessa é o trabalho com a linguagem, em que Zusak cria um discurso próprio para a personagem Morte, em frases como: "Basta dizer que, em algum ponto do tempo, eu me erguerei sobre você, com toda a cordialidade possível. Sua alma estará em meus braços. Haverá uma cor pausada em meu ombro. E levarei você embora gentilmente." Ele conversou com o a reportagem, por e-mail.

Como você lida com a morte? Não sei. Talvez como qualquer um. Ela surge como uma sombra em certos momentos, mas acredito que nos faz apreciar a vida. Claro que a temo, mas tento acreditar que, sem ela, a vida não valeria a pena.

No início da sua escrita, a morte lhe surgia bem mais macabra, certo?Sim, mas não funcionava dessa forma. Experimentei muito e, depois de nove meses de trabalho, pensei: "Como seria se a Morte tivesse medo do homem? Medo por conta das guerras e da destruição que desencadeamos contra nós mesmos?" Isso fazia mais sentido para mim que a personificação típica que temos da morte. Pensei: "A Morte conta a história da menina para provar que o ser humano pode ser belo e cuja existência vale realmente a pena."

Você viajou à Alemanha para fazer pesquisas. Como foi essa experiência? O que foi buscar?Fiz uma extensa pesquisa e escrevi um manuscrito. Então, viajei para Munique para checar os fatos. Foi ótimo porque fui em janeiro, época em que estava frio e cinzento, exatamente como eu esperava. Era exatamente o cenário que meus pais me contaram, depois de se transferirem da Alemanha e Áustria para a Austrália. Minha maior descoberta foi o campo de concentração em Dachau, que é mais cinzento e fantasmagórico do que eu imaginava.

Como o afetaram todas essas histórias contadas por seus pais? Há uma em particular que minha mãe presenciou quando estava com 6 anos. Ela brincava com outras crianças quando ouviu um barulho vindo da rua. Ao correr para lá, ela descobriu que o som era provocado por pessoas que marchavam em direção a Dachau. Havia um velho que não conseguia acompanhar o grupo. Ele estava tão magro que nem podia andar direito. Depois de cambalear para fora da rua, ele pediu a um garoto que lhe trouxesse um pedaço de pão. Quando o menino entregou o pão em suas mãos, o velho caiu de joelhos, agarrou seus tornozelos e chorou aos seus pés, agradecendo. Foi quando um soldado percebeu o que acontecia e castigou o velho por ter aceito. E bateu no garoto por ter trazido o pão. Essa história ficou cravada na minha memória, pois há a beleza do humanismo de um lado e nossa tristeza de outro.

Há muitos elementos cômicos na história. Como a morte pode ser engraçada?A comédia é mais um mecanismo de defesa. A Morte tem muito trabalho por fazer. Ela nos encontra em nossos mais terríveis momentos. Uma vez ou outra, ela aparece em meio a um humor negro.

A linguagem da história é interessante, especialmente o discurso da Morte, bem trabalhado. Como foi criar essa narrativa? Por que a Morte fala de uma forma diferente dos seres humanos?Uma vez que tive a Morte como narradora, tive também uma certa liberdade para escrever exatamente da forma que quisesse. Eu pretendia que a Morte falasse como nós, mas um pouco à esquerda ou à direita. Por exemplo, ela poderia referir-se ao céu "quem" estava magnífico, aberto e azul; ou ainda às árvores "quem" estavam eretas, e assim por diante. Eu queria que a Morte visse o céu, as nuvens, as árvores, a terra e mesmo a nós como colegas – que entendesse que todos fazemos parte de uma mesma unidade. Também ambicionei que a Morte visse o mundo em cores e descrevesse os objetos de uma forma rica. É por isso que ela diria que "tábuas de sol" nascem no céu ou que uma menina tenha "sardas sem fim" ou qualquer outro jogo de palavras – porque ela é a Morte e pode fazer praticamente tudo da forma que bem entender. Enfim, eu gostaria que a Morte fosse como qualquer pessoa, mas, ao mesmo tempo, que fosse também diferente.

Serviço – A Menina Que Roubava Livros, de Markus Zusak. Editora Intrínseca, 500 páginas. Preço: R$ 40.

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