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Pedro Meira, Florência Caramunho e João César de Castro Rocha: debate instigante e revelador | Fernanda Amaral/ Divulgação
Pedro Meira, Florência Caramunho e João César de Castro Rocha: debate instigante e revelador| Foto: Fernanda Amaral/ Divulgação

Ensino

Abordagem urbana e regionalista causa espanto em estrangeiros

Há, no exterior, dois tipos de cursos de literatura brasileira recorrentes: os panorâmicos (survey courses), que trabalham com aspectos da cultura e da civilização por meio da literatura, a partir de obras, em geral canônicas (clássicas), já traduzidas; e as disciplinas monográficas, que focam em um número reduzido de autores, por vezes mais contemporâneos e menos conhecidos e óbvios, voltados a alunos que podem ler os originais, em português. São experiências muito diversas.

Florência Caramunho lembra de uma vivência que teve na Universidade de Temple, na cidade de Filadélfia, nos Estados Unidos. Logo após terminar seu doutorado, nos anos 1990, ministrou uma disciplina de literatura brasileira em cuja classe havia muito alunos descendentes de imigrantes portugueses, que dominavam o idioma de seus ancestrais até melhor do que ela e liam os originais sem qualquer dificuldade.

"Foi quando, ao falar de literatura do século 19, e pedi que lessem O Guarani, de José de Alencar, que percebi que a ‘estrangeiridade’ não se limitava ao idioma. Aquela obra, que fala de índios, da vida nas florestas, das relações com o colonizador, lhes causou muito estranhamento e fascínio. E, daí, eu estava em vantagem porque todo esse universo era algo muito mais presente em meu imaginário de sul-americana", contou a professora, que já viveu a situação de dar aulas de literatura brasileira tanto a norte-americanos quanto a argentinos e brasileiros. E, em cada uma dessas situações, a relação como o objeto, a literatura brasileira, e a recepção por parte dos estudantes se dá de maneira diversa, pois está sujeita a diferentes articulações dos discursos. "Na Argentina, os alunos ficam surpresos que exista no Brasil uma literatura urbana, contemporânea, próxima a eles, que escapa dos estereótipos criados por alguns clássicos, de caráter mais regionalista."

  • Fantasma letrado: Clarice Lispector

Lá pelas 4h30 da manhã, os galos começam a cantar em Paraty. Anunciam o ínicio de mais um dia quando o sol nem mesmo deu o ar de sua graça. Durante a Festa Literária Internacional (Flip), que se encerra hoje, o canto das aves são uma espécie de despertador poético: não há tempo a perder em um evento no qual, dentro e fora da programação oficial, a cidade histórica fluminense pulsa mais forte, ao compasso das letras, das discussões e das conversas informais sobre o mundo dos livros.

Um dos temas mais interessantes debatidos durante a Flip, por iniciativa do Instituto Itaú Cultural, foi o ensino de literatura brasileira no exterior. O ponto de partida da discussão foi um livro, intitulado A Primeira Aula, resultado de uma pesquisa que reúne 16 textos de professores brasileiros e estrangeiros. Em ensaios e artigos, eles compartilham experiências acadêmicas vivenciadas em cursos que ministram mundo afora a alunos de outras nacionalidades.

O volume será lançado oficialmente apenas em 22 de novembro, mas parte de seu conteúdo foi antecipado com exclusividade em uma mesa, batizada com o mesmo nome do livro: A Primeira Aula.

O debate, realizado no auditório da Casa de Cultura de Paraty horas antes do início oficial da Flip, na última quarta-feira, 30, foi instigante. Com mediação de Claudiney Ferreira, do Itaú Cultural, participaram os professores e pesquisadores João César de Castro Rocha (Unversidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ e professor nos Estados Unidos e Inglaterra), Pedro Meira (Universidade de Princeton, EUA) e Florência Caramunho (Universidade de San Andrés, Argentina, que também é importante tradutora de obras brasileiras em língua espanhola).

A escolha da ideia da primeira aula como mote foi intencional, uma vez que esse contato que dá início à relação entre professor e alunos tem muito impacto em qualquer circunstância, ainda mais quando se apresenta aos estudantes a produção de literária de um outro país, muitas vezes em um idioma que não dominam com tanta fluência.

"Pequeno e periférico"

Cada um dos professores relatou experiências diversas, que de certa forma se complementam sem se confundir. Pedro Meira, que dá aulas de literatura brasileira com regularidade na prestigiosa Universidade de Princeton, no estado de Nova Jersey, diz que há uma grande vantagem em "ser pequeno e periférico", "à sombra das chamadas grandes literatura, de línguas hegemônicas", como o inglês ou o francês.

"Essa aparente falta de importância nos permite, enquanto professores, brincar mais com os conteúdos, com as abordagens nas aulas. Trago um objeto valioso, sobre o qual a maioria pouco sabe, e isso tem um certo elemento mágico. Posso trabalhar com abordagens e recortes de forma mais livre e criativa", disse.

João César de Castro Rocha, por sua vez, problematiza a ideia do que é ser estrangeiro em um mundo tão globalizado, uma vez que cresceu de maneira bastante substancial o número de professores e pesquisadores de literatura, cultura e civilização brasileiras no exterior.

Rocha vai mais longe: diz que para o estudante brasileiro que inicia seus estudos sobre a literatura local, com suas poéticas hoje tão particulares, em que os autores criam seus próprios universos estilísticos e temáticos, pode causar um estranhamento tão grande quanto os de outras nacionalidades.

Ele cita como exemplo um seminário que ministrou na Universidade de Princeton com o tema "Os Sertões e Suas Ressonâncias", sobre a obra seminal de Euclides da Cunha e autores por ela influenciados, como o peruano Mario Vargas Llosa (em A Guerra do Fim do Mundo).

"Os alunos de lá tinham de ler, para cada aula, um livro por semana, e todos, sem exceção vinham preparados para a discussão. Estavam assim, por força do empenho. Dei o mesmo curso aqui no Brasil, e não obtive o mesmo resultado. Aqui eles eram, de certa forma, mais ‘estrangeiros’ do que lá."

Autores mortos "ressuscitam" nas redes sociais

Agência Estado

Clarice Lispector (1920-1977) mobiliza 743 mil pessoas no Facebook. Caio Fernando Abreu (1948-1996), 373 mil. Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), 108 mil. Machado de Assis (1839-1908) tem 38 mil seguidores e Paulo Leminski (1944-1989), 32 mil. Eles são alguns dos autores citados por Fabio Malini, coordenador do Laboratório de Pesquisas sobre Imagem e Cibercultura, da Universidade Federal do Espírito Santo, na pesquisa Literatura, Twitter e Facebook: A Economia dos Likes e dos Rts dos Usuários de Literatura Brasileira nas Redes Sociais. Parte de seu conteúdo foi apresentada em encontro do Itaú Cultural, em Paraty, antes da abertura da Flip, e está disponível na versão digital da revista Observatório, lançada agora.

"A pesquisa tenta mapear como os usuários interagem e o que eles valorizam numa fanpage. Uma das constatações é a de que não falamos mais de uma ideia de fã, mas da ideia do amigo, do parceiro, aquele que atua na mobilização de determinado tipo de trabalho", disse o pesquisador. E completou: "Para os autores mortos, eles têm um papel de reavivar um certo tipo de leitura que até então não se tinha."

Para o estudo, Malini coletou mais de 300 mil tweets com as palavras literatura e livro e analisou as páginas (com os posts e os comentários) de cinco escritores no Facebook - os já citados Clarice, Caio, Machado e Leminski e, separadamente, a musa teen Thalita Rebouças (1974), que tem 320 mil seguidores no Facebook e está fazendo direitinho a lição de conversar com suas leitoras amigas. Seu primeiro post, de abril de 2012, teve quatro comentários; em janeiro, ela obteve mais de 3 mil comentários numa publicação. Os posts que repercutem mais são os que mobilizam os fãs em alguma causa e os que fazem propaganda de eventos.

O jornalista viajou a convite do Itaú Cultural

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