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São Paulo – Devorar um Thomas Mann não é mole. Exige dentes na alma. Por isso multiplicam-se as variedades de best sellers, mais para sopas. Por exemplo, a classe de livros que têm a culinária como personagem, espécie que persegue a sensualidade do comer, incentivada pelo sucesso de A Festa de Babete, da dinamarquesa Karen Blixen.

Na fisiologia da leitura, ao gênero "cabeça" se contrapõe o gênero "estômago". Sopa de Romã (Jaboticaba, R$ 39; 256 págs.), da iraniana Marsha Mehran, é desse grupo.

Para Ferran Adrià, o chef de cozinha do momento, "a gastronomia tem, hoje, uma importância exagerada". O exagero transborda das panelas e encharca as letras. Do "gosto não se discute" passou-se para "só se discute o gosto". Até dos grandes escritores ordenharam livros culinários que eles não escreveram (A Cozinha de Marcel Proust).

Nada que se aproxime de Paradiso, de Lezama Lima, onde o poder e o comer formam amálgama inextrincável; onde o diálogo põe o prazer à mesa mais do que a receita. Cada capítulo do livro de Marsha Mehran principia por uma receita, talvez para quem goste de pôr a mão na massa, imaginando que o prazer brota das coisas; do aroma, acima de tudo. Receitas são fórmulas aviadas na cozinha, esse laboratório doméstico. Auguste Escoffier (1846-1935), o chef a quem a indústria hoteleira deve quase tudo, dizia que a cozinha francesa era um edifício construído sobre "5.000 fórmulas".

As 13 receitas (bem escolhidas) de Sopa de Romã bordejam a cozinha persa. Mas a Pérsia não existe mais. O que existe é o Irã, de onde a família da autora, assim como os seus personagens, saíram corridos quando da revolução dos aiatolás. Seus personagens e receitas, assim como a autora, se inserem na Irlanda ávida por novos perfumes e sabores.

Mitos

Receitas são fórmulas, mas também contos ou relatos míticos. Falam de relações possíveis com a natureza, hierarquizam as coisas na panela e na mente. As de Mehran guardam tanta relação com a Pérsia quanto as histórias de Ali Babá.

E, através delas, a autora deita juízos morais: "ondas perfumadas, picantes e pecadoras entravam nariz adentro e faziam-no lembrar algum demônio desconhecido".

História de irmãs que dominam os aromas que invadem as pessoas, abrindo-as para o amor, vencendo intrigas, ciúmes e invejas irlandesas. "Um abraço materno do advieh, uma mistura de pétalas de rosa, cardamono, canela e cominho; o útero morno do cúrcuma..." Depois, vêm os fantasmas do mundo dos aiatolás, querendo desandar a vida como a uma maionese. É uma história, por que não? Um "livro para ser devorado". Não como uma sopa de romã; talvez como um Big Mac.

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