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Luci Collin é absolutamente fascinada por formas literárias breves. Chegou a produzir dois romances, mas acabou os transformando em novelas e, depois, em contos. Mas são os versos que fazem pulsar o sangue de escritora. Dos nove livros que lançou, seis são de poesia e apenas três de contos – assim como o novo trabalho, o décimo, chamado Vozes num Divertimento, a ser lançado pela Travessa dos Editores.

Formada em piano e percussão, é doutora em Letras pela Universidade de São Paulo e professora da Universidade Federal do Paraná. Curitibana nascida em 1964, considera, de um ponto de vista pessoal, Esvazio (1991) e Lição Invisível (1997) suas obras mais importantes. Porém, foi com Inescritos (2004) que conquistou o maior número de leitores.

Luci concedeu a entrevista a seguir por e-mail pouco antes de viajar no fim de semana passado. A autora fala sobre influências musicais e literárias, conta que lê como ouve sinfonias e fala sobre a relação do brasileiro com a poesia.

Gazeta do Povo – Ouvi dizer que tem um novo livro quase pronto.Luci Collin – São vinte contos sob o título de Vozes num Divertimento (Travessa dos Editores). Em relação aos anteriores, é um livro mais irônico, mais denso e talvez mais ousado. E tenho um de poesia pronto também – ainda sem projeto de publicação.

Como encara a idéia de escrever um romance?Já escrevi dois romances que, com o tempo, fui cortando até que os transformei primeiro em novelas e depois em contos. Há muito é esse o desafio para mim: condensar – o que me conduz naturalmente ao conto. Tenho idéias guardadas para romances, mas ainda prevalece uma intensa paixão pelo que o conto tem de flecha atingindo um alvo.

Você mostra empatia pelos autores franceses do nouveau roman, movimento que lançou escritores como Marguerite Duras (O Amante) e Claude Simon (O Bonde). Até onde acha que a experimentação com a forma pode ir sem comprometer a história? Sim, tenho reverência pelos nouveau romanciers e pelos autores do absurdo – de (Alain) Robbe-Grillet a (Eugène) Ionesco, de (Nathalie) Sarraute a (Harold) Pinter. A manipulação formal é essencial para mim. Desde sempre a vi como um domínio técnico da linguagem que deve concorrer para acrescentar algo ao mero enredo descrito de modo realista. Quer dizer, é um recurso importante porque concede ao texto dimensões menos previsíveis. Esta é uma questão delicada, uma vez que o experimentalismo – a não-linearidade, a fragmentação, a estrutura sintática difusa – para um leitor que está procurando apenas entretenimento pode comprometer a fruição do texto. Mas eu sempre considerei mais estimulante e mais verdadeiramente estética aquela escrita que provoca o leitor convidando-o a montar/desmontar frases e parágrafos para que eles comuniquem várias possibilidades, em especial as sutilmente reservadas, mas que acabam expondo os sentidos genuinamente pulsantes.

Há quem diga que a França, como referência cultural no mundo, já era. Na literatura, por exemplo, faz tempo que não se fala em um francês para o Prêmio Nobel. Na sua opinião, quais são os nomes importantes das letras francesas na atualidade? Não me prendo muita a referências culturais, nem às leituras "obrigatórias" (aqueles autores que a mídia coloca na moda), uma vez que leio o que me intriga, e costumo retomar autores que me marcaram. Aliás, comparando um livro a uma peça musical, por que é que não temos por hábito reler o mesmo livro se ouvimos várias vezes uma sinfonia buscando percebê-la em sua totalidade? Neste sentido, é suficiente ler o Ulisses, de (James) Joyce, ou o As Ondas, de Virginia Woolf, uma só vez? Quanto aos contemporâneos escrevendo em francês, eu gosto de Amélie Nothomb, Sylvie Germain e Nathalie Quintane.

Na condição de leitora voraz, o que de melhor existe na literatura americana de hoje? Vou falar da literatura de língua inglesa de modo geral, para incluir indiscriminadamente mais expressões. Neste momento eu destacaria em primeiro plano a produção da inglesa Jeanette Winterson e do irlandês John Banville, que eu considero excelentes; chamam a minha atenção também, mas em menor grau, a ficção de Hanif Kureishi e Dave Eggers, a poesia de Lynn Hejinian e Sebastian Barry e a ensaística de Chris Arthur.

A formação musical se reflete na prosa e na poesia que produz?Talvez a literatura que eu produzo deixe transparecer a minha ligação com o discurso musical, seja no âmbito da técnica (ritmo, cadência, polifonia), seja em relação à "memória sonora" que eu trago dos compositores que eu estudei ou interpretei – mas eu temo aqui parecer pretensiosa. Na verdade a música – a prática e a análise – sempre foi mais presente na minha formação do que a literatura e me deu uma noção de "composição" de uma linguagem simbólica, uma noção que sempre me amparou na hora da produção literária.

Falando em música, seu gosto musical se parece com o literário? A partir do interesse que demonstra pela geração beat, posso deduzir que você gosta de jazz, não?Admiro muito o jazz, mas sou completamente vencida pela complexidade deste estilo, pela intrincada experiência filosófica que ele suscita. Gosto muito de música clássica moderna e contemporânea, principalmente de música eletroacústica. Mas admiro apaixonadamente dois compositores aos quais sou fidelíssima: Brahms e Monteverdi.

Você traduziu os poemas de Gary Snyder – figura central da geração beat –, tema também de sua dissertação de mestrado. Por que, hoje, se fala mais na tríade Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William Burroughs do que em Snyder?Snyder, ainda muito jovem, exerceu uma reconhecida influência sobre Kerouac (vide o The Dharma Bums, de Kerouac), mas algum tempo depois do lançamento "oficial" do movimento beat (na Six Gallery em 1955) ele foi para o Japão onde permaneceu por anos estudando o budismo Zen. Ao voltar, na década de 1970, ele se inseriu em outro momento literário, já não mais como voz beat e sim como um poeta que buscava revelar os valores do bioregionalismo e do re-habitar, influenciando diretamente um dos braços do movimento hippie. Quer dizer, a própria trajetória de Snyder fez com que ele gradualmente se despregasse da beat generation. Hoje Snyder é um nome ligado mais pontualmente a (Walt) Whitman, (Ezra) Pound, T. S. Eliot e/ou à cultura oral ameríndia do que imediatamente apenas aos beats.

Dos nove livros que lançou, seis são de poesia e três de contos. Ambas formas são concisas comparadas ao romance. Contos ganham bastante atenção do mercado editorial com antologias de todo tipo. O mesmo não se pode dizer da poesia. Por que parece haver certa resistência do público brasileiro à poesia?A poesia, mesmo sendo, na minha opinião, o gênero mais difícil, conta com um histórico nebuloso (que afeta tanto a produção quanto a recepção) e que advém do equívoco de que é muito fácil escrever poesia. Isto gerou uma superpopulação de poetas e com certeza uma miríade de livros com pouca qualidade. Em relação ao conto, a forma mais longa talvez funcione como dificuldade aos aventureiros. Mas não acho que haja resistência à boa poesia – há muitos verdadeiros poetas lidos hoje no Brasil, na proporção em que se lê no Brasil.

Qual o livro que considera o mais importante de sua bibliografia?Numa perspectiva pessoal, os mais significativos são o Esvazio, porque representou uma experiência filosófica muito intensa para mim e o Lição Invisível, porque levei anos convivendo com ele sem conseguir publicar – e é o meu livro mais elaborado, acredito. Mas o Inescritos foi o que mais me aproximou dos leitores.

Você foi apontada como um dos novos talentos do Paraná que pode despontar no cenário nacional a partir de 2006. A expectativa a preocupa?Jamais tive expectativas em relação à minha situação em cenário literário nenhum. E gosto muito da liberdade que a minha despreocupação me traz. Na verdade, nem tenho noção do que é ou não ser um escritor "importante". Será que é ser reconhecido? Reconhecido por quem? Não me preocupa nada que vá além de escrever para expressar algo que eu considere uma emoção digna de ser divida com outras pessoas.

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