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Não é muito comum nem previsível, mas às vezes também pode caber ao crítico prestar um depoimento. E, neste caso, o fato é que é uma espécie de impasse fazer a crítica literária de um livro que se apresenta como literatura, mas que é, na realidade, um depoimento sincero e sofrido de vida.

O impasse é: o livro é escrito de forma clara, tendencialmente poética, com belas lições de sobrevivência e de convivência com a doença-tabu da atualidade - o câncer. Certamente vai servir para ajudar muitas pessoas que sofrem do mesmo mal ou seus parentes e amigos, além de todos os que tememos a aparição desavisada dessa vida que cresce desordenada dentro de outra vida, matando-a.

Então como e até por que criticar negativamente um livro como esse?

Porque depoimento sincero não é literatura. Como talvez dissesse Manuel Bandeira, em algum poema chamado “Novíssima Poética”, serão cartas, diários, desabafos, livros de autoajuda, ajudas necessárias, francas e bem colocadas para quem precisa, e, afinal, todos precisamos.

Leitura auxiliar

A verdade é que livros assim são dificilmente criticáveis e deveriam ser apresentados como leitura auxiliar, o que em nada os desmereceria.

O livro, “Passageiro Clandestino”, são capítulos fragmentários em que a autora, Leonor Xavier, jornalista portuguesa que já morou durante um período no Brasil, relata sua experiência e rotina com o câncer. Trata-se de uma luta sábia, em que Xavier demonstra graciosidade, tenacidade e uma solidão admirável em sua suficiência.

Mas se sucedem frases, explicações e testemunhos como “esse é o mistério da esperança, que é um dom, uma graça”; “em face da doença (...) a doçura (...) é um mel que adoça a vida”; “a amizade é uma doçura nesta vida”; “agradeço pela amizade que me tem sido dada” e várias construções afins.

Passageiro Clandestino

Leonor Xavier. Editora Autêntica, 160 pp. R$ 35

O crítico escreve as frases acima, e já o ronda a culpa. Mas como falar mal dessas frases, quando elas são ululantemente verdadeiras e, mais, podem efetivamente ajudar pessoas?

Sim, há a economia dos capítulos, trechos originais, citações interessantes, uma linguagem que não transborda excessivamente. Mas tudo isso são considerações laterais sobre um livro que, definitivamente, não é literário, pois acrescentar elementos estilísticos ou subjetivos a um texto não o torna imediatamente ficcional e/ou estético.

Pode ser que o leitor chegue à conclusão que esta crítica, em si mesma, é inútil, porque útil, de verdade, é ajudar os doentes.

Mas agora precisaríamos conversar sobre os conceitos de utilidade e inutilidade na própria literatura e na crítica como um todo. Fica para uma próxima.

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