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Sanches Neto escreve livro para provar que, em qualquer cenário, real ou fictício, não existem diferenças que a vida não possa superar. | Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
Sanches Neto escreve livro para provar que, em qualquer cenário, real ou fictício, não existem diferenças que a vida não possa superar.| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

Uma aliança entre o Brasil e a Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial. Apesar de insólito, esse destino hipotético é o ponto de partida do escritor Miguel Sanches Neto para compor seu novo romance, A Segunda Pátria, que chega nesta quarta-feira (18) às livrarias de todo o país.

Semelhante ao Complô Contra a América, de Philip Roth, a obra é a idealização minuciosa de uma realidade reconstituída pelo impacto do regime totalitarista no sul do Brasil. Quem, dos que vivem abaixo do Trópico de Capricórnio, nunca foi provocado a imaginar como seria a vida sob a dominação dos alemães?

Com um mirabolante relato – fiel ao imaginário das possibilidades – Miguel Sanches Neto dá chance para que Getúlio Vargas assuma sua simpatia aos regimes nazifascistas durante a Segunda Guerra (1939-1945) e permita a efervescência dos núcleos de devoção a Hitler na região.

Neste Brasil feroz e impiedoso de A Segunda Pátria, que se torna um mundo à parte do restante do país, não são os judeus as principais ameaças para a linhagem da raça ariana, mas sim os negros.

Centralizados na história do engenheiro Adolpho Ventura, são eles, segregados pela cor da pele, que preenchem os espaços cruéis dos campos de concentração (na obra, recriado nas terras férteis das fazendas do Sul).

Livro
A Segunda Pátria

Miguel Sanches Neto. Intrínseca, 320 pp., R$ 34,90 e R$ 14,90 (e-book).

Tornam-se, assim, personagens dos relatos mais selvagens imaginados pelo autor. De volta ao regime de escravidão, voltam a conviver com os maus-tratos e com a iminência da morte, num lugar onde são menos considerados que os cachorros.

É Adolpho que carrega uma contradição não tão distante do real. Ele não só nunca se imaginou negro como foi criado para ser alemão – ainda que soubesse das dificuldades de ser aceito como tal. Mesmo imerso na língua e na cultura alemã, vê seus limites de atuação esgotados com o avanço da dominação das forças nazistas em Blumenau, ao mesmo tempo em que é forçado a ignorar o fascínio correspondido pela deslumbrante e sensual Herta, a personagem mais instigante da obra.

Só escrevo depois que uma história se torna tão importante para mim que não há outra saída a não ser colocá-la no papel. Já com uma história encomendada, tenho que fertilizar a imaginação.

Miguel Sanches Neto, escritor.

Com seus cabelos loiros e olhos azuis, Herta domina o relato com sua personalidade difusa, porém determinada. Integrante no partido Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães no Brasil, se obriga a ver sentido em um mundo de “raça pura”.

Para ela, “os nazistas se afirmavam diferentes e na aparência até podiam ser, mas havia coisas maiores do que as diferenças físicas, havia uma identificação entre as pessoas (...)”.

Exemplo máximo da beleza alemã no Brasil, Herta é preparada para passar uma noite com o führer, num ato que determina os restos dos seus dias. Uma gravidez inesperada, não de Adolf Hitler, mas de Adolpho Ventura, simboliza, num ato único, a queda e a ascensão de sua vida. Em suma, o destino da própria obra.

Com uma escrita elegante e detalhista – resultado perceptível de um mergulho ao estudo dos fatos e da História – Miguel Sanches Neto cria, em A Segunda Pátria, um prazeroso relato de guerra, repugnância e amor. Mesmo pautado pelo irreal, o livro não deixa, no entanto, de ser tangível e contemporâneo: prova que, em qualquer cenário, real ou fictício, não existem diferenças que a vida não possa superar.

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