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 | Miguel Nicolau/Especial para a Gazeta do Povo
| Foto: Miguel Nicolau/Especial para a Gazeta do Povo

Hunter Thompson foi um símbolo. Um símbolo do espírito de rebelião, de afronta às regras e de liberdade. Mas esse é apenas um lado da história.

Após o suicídio do pai em 2005, Juan Thompson decidiu que tinha mais para contar do que revelava a imagem pública do criador do “jornalismo gonzo” – estilo quase que irreprodutível marcado pela inserção do repórter na narrativa, uso da primeira pessoa e linguagem afiada e sarcástica.

“Stories I tell myself – Growing up with Hunter Thompson” (Histórias que conto para mim mesmo – Crescendo com Hunter Thompson) foi lançado mês passado nos Estados Unidos e ainda não tem uma edição brasileira prevista.

Em entrevista por telefone, Juan diz querer revelar com a biografia – que aborda a relação ora conflituosa ora próxima entre os dois – algo além da imagem de maluco alcoólatra, consumidor de drogas e de comportamento disfuncional que Hunter tinha.

“Essa era apenas uma dimensão dele. E na minha opinião nem era a mais importante. Não era o lado que eu conhecia e que achava mais interessante. Eu queria mostrar às pessoas a generosidade e a simpatia dele, contar que existia muito mais do que só o ‘gonzo’ maluco”, explica.

Fim

Hunter Thompson viveu a vida como bem entendeu, até o fim, quando decidiu se matar com uma das armas de sua coleção. O filho, a esposa e o neto estavam presentes na casa no dia do suicídio.

O processo de escrita foi complicado, ainda mais porque Juan trabalhava com tecnologia da informação. Além da inexperiência como escritor, ele não tinha muito tempo livre. A empreitada durou nove anos, tempo em que pesquisou os arquivos do pai que continham manuscritos de seus livros e reportagens, cópias de cartas escritas desde a década de 1950 e até pedidos de empréstimos para quitar as mensalidade da faculdade do filho – tudo guardado no que Hunter Thompson chamava de war room (quarto de guerra), na casa onde Juan foi criado, em Owl Creek, Colorado. Com o tempo, Juan aceitou mostrar o lado menos simpático do pai, algo que tinha receio no início.

“Com o passar do tempo após a morte dele, fui me acostumando com a ideia de ser honesto. E contar também os aspectos menos positivos da nossa relação. E me senti mais conectado a ele”, diz.

O livro passa pela infância de Hunter em Kentucky, a breve prisão na juventude, a entrada nas forças armadas, a viagem pela América do Sul com Sandy Thompson, mãe de Juan – Hunter chegou a morar durante um ano no Rio, quando trabalhava como correspondente para o jornal “The Nation”. Em tom de primeira pessoa, a publicação aborda o afastamento entre pai e filho (Hunter tomava café da manhã quando Juan jantava), as brigas, o conturbado divórcio dos pais, os anos que foram necessários para eles se reaproximarem, os rituais pouco usuais entre eles (como conversar enquanto limpavam armas), o suicídio de Hunter e seu velório memorável, em que Johnny Deep pagou por um canhão para jogar as cinzas do escritor na casa onde ele viveu a partir da década de 1960.

Falar de meu pai e de nossa relação me pareceu importante e senti que tinha que escrever sobre isso.

Juan Thompson, escritor e filho de Hunter Thompson.

Juan se define como um nerd: tímido, fã de jogos de RPG, como “Dungeons & Dragons”, leitor contumaz, com poucos amigos em seu círculo. Bem diferente do pai, tido como hedonista, popular, desbocado e confiante.

Quando questionado sobre as semelhanças entre os dois, ele hesita. Aparentemente, as diferenças são mais óbvias, mas, mesmo assim, ele se vê parecido com Hunter no apreço pela escrita, no senso de justiça – afirma que aprendeu com o pai a desconfiar das autoridades.

Juan conta que sentiu um profundo alívio quando botou o ponto final no livro, principalmente porque duvidou inúmeras vezes que seria capaz de concluir o projeto. E, apesar de ainda trabalhar com computadores, ele não descarta a ideia de seguir na literatura.

No fim, relação com o filho foi de confiança

No fim deste mês, a morte de Hunter Thompson completa 11 anos. E Juan afirma que ainda sente a falta do pai.

Ele guarda consigo alguns objetos dele, que se transformaram em talismãs.

Um deles é um medalhão prateado que o pai ganhou de Oscar Acosta, o advogado interpretado por Benicio Del Toro em “Medo e delírio em Las Vegas’’ (1998), filme de Terry Gillian baseado no livro homônimo de Hunter (Johnny Depp fez o papel do jornalista).

“Eu uso para sentir a presença dele. Às vezes eu gosto de pensar em como ele reagiria nas situações da minha vida. Não pela sua aprovação, mas como um companheiro”, diz.

Apesar dos inúmeros conflitos, essa foi a relação que os dois tiveram no final da vida de Hunter: companheirismo.

Juan chegou a ajudá-lo a organizar seus últimos livros, quando o uso prolongado de álcool e entorpecentes já tinham comprometido sua capacidade de concentração.

Como em “O reino do medo – Segredos abomináveis de um filho desventurado nos dias finais do século americano”, publicado pela Companhia das Letras, que reúne ensaios e memórias do acervo do escritor.

A publicação se traduziu na primeira incursão de Juan no tal “quarto de guerra”, onde sua presença costumava ser proibida, e a permissão dada pelo pai ainda vivo foi entendida pelo filho como um gesto de confiança.

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