Laurentino Gomes, escritor e membro da Academia Paranaense de Letras, conversou com a Gazeta do Povo sobre história e literatura no Brasil. Autor da trilogia que vendeu mais de dois milhões de livros sobre a história do Brasil, Laurentino está preparando agora uma série sobre o tema escravidão. Ainda em fase de pesquisa bibliográfica, o escritor revelou que vai desmistificar figuras icônicas da escravidão no Brasil, como Zumbi dos Palmares.
Além da entrevista realizada na última sexta (23), o escritor conversou com a reportagem sobre temas como “escola sem partido”, “hábito de leitura do brasileiro” e “futuro do jornalismo”. Confira a entrevista na íntegra:
“O brasil se formou com a escravidão e não dá para entender o Brasil sem estudar este fenômeno. A escravidão é o assunto mais importante de toda a história do Brasil e precisa ser estudado a fundo.”
A que o senhor atribui o sucesso dos livros de história no Brasil?
Acredito que seja uma combinação de dois fatores principais. O primeiro é a linguagem. Muitos jornalistas e historiadores têm se esforçado para escrever de forma acessível e fácil de entender para um público mais amplo ou mais leigo, não habituado a ler sobre história. É uma boa notícia e repete um fenômeno que já vinha acontecendo em outros países, como França, Espanha, Inglaterra e Estados Unidos. Acho que ninguém precisa sofrer para estudar história. O segundo motivo está relacionado ao próprio momento político brasileiro. Nunca se discutiu tanto o Brasil como hoje. As pessoas estão fazendo perguntas importantes a respeito de nossa identidade nacional. Somos um povo honesto ou corrupto? Pacífico ou violento? De onde vêm a desigualdade social e a ineficiência do Estado? O estudo de história pode ajudar nas respostas. Acredito que os brasileiros estão olhando o passado em busca de explicações para o presente. Uma consequência é o aumento do interesse pelos livros de história.
Qual a sua opinião sobre o movimento “escola sem partido”?
As pessoas estão preocupadas com o excesso de contaminação ideológica na sala de aula. Mas é preciso cuidado para não produzir um resultado radicalmente oposto e “engessar” os professores na direção oposta. Quem vai decidir o que é “escola sem partido”? A lei sozinha não resolve. Professores e pais precisam decidir concomitantemente que tipo de ensino desejam para seus alunos e filhos. Isso exige participação das famílias na gestão das escolas. Infelizmente, muitos pais afirmam desejar uma “escola sem partido”, mas nunca participam de nada, não comparecem às reuniões nas escolas nem dão qualquer apoio aos professores nas suas dificuldades e desafios. Então, é preciso participar ativamente nos rumos na definição dos rumos da educação. Além disso, é preciso dar liberdade aos professores para ensinar em sala de aula. Eles não podem ser transformados em meros robôs que repetem automaticamente conceitos e currículos definidos em leis ou órgãos superiores.
O cenário não é tão ruim quanto parece. Nunca tivemos um período tão longo de democracia. Nunca pudemos nos expressar de forma tão livre, sem medo de censura ou de repressão policial.
O jornalismo está sendo profundamente modificado. Pela sua experiência, qual o futuro do jornalismo como atividade rentável de divulgação de informação?
Não se deve confundir o futuro do jornalismo com o futuro do papel. As novas tecnologias estão transformando profundamente a maneira de produzir e distribuir conteúdo. Apesar disso, a reportagem e o conteúdo jornalístico de qualidade continua tão relevante como sempre foi. Isso não muda. Ninguém sabe exatamente qual será o modelo vitorioso e rentável de distribuição no futuro, mas de uma coisa estou certo: não podemos abrir mão de fazer jornalismo de qualidade. As tecnologias mudam, como já mudaram muito no passado, com o bom jornalismo continuará a fazer toda a diferença na vida das pessoas.
De que forma o senhor enxerga as recentes mudanças no Brasil?
Estamos vivendo um momento importantíssimo da história brasileira. Quem vê o Brasil pela perspectiva do noticiário do dia-a-dia, ou da gritaria nas redes sociais, pode até ficar pessimista e achar que o país acabou. Parece que a corrupção é endêmica e que os problemas não têm solução. Para entender o que está acontecendo, no entanto, é preciso observar o Brasil com maior distanciamento, de uma perspectiva histórica de longo prazo. Nesse caso, o cenário não é tão ruim quanto parece. Nunca tivemos um período tão longo de democracia. Nunca pudemos nos expressar de forma tão livre, sem medo de censura ou de repressão policial. E nunca discutimos tanto o Brasil. Problemas como a corrupção, a violência, a péssima qualidade da educação e as dificuldades do crescimento econômico sempre existiram, mas nunca estiveram tão expostos ao escrutínio da opinião pública. É a primeira vez em que todos os brasileiros estão sendo chamados a participar da construção do futuro, num ambiente de liberdade.
A sua nova produção literária é a trilogia sobre escravidão. Em que pé está a produção dos livros?
As pessoas estão fazendo perguntas importantes a respeito de nossa identidade nacional. Somos um povo honesto ou corrupto? Pacífico ou violento? De onde vêm a desigualdade social e a ineficiência do Estado?
O plano é publicá-la a partir de 2019, um livro por ano até 2021. No momento estou na fase de pesquisa bibliográfica. Estou lendo mais de uma centena de livros, brasileiros e estrangeiros, sobre o tema. Em seguida, começo o trabalho de reportagem de campo, indo aos locais que tiveram alguma relação com o trabalho escravo. Pretendo percorrer diversas regiões do Brasil, visitar alguns quilombos, ir a Palmares, em Alagoas, mas também viajar pelo sul dos Estados Unidos e pela África. Em seguida, vem a fase final, de escrita e edição do livro. Será um trabalho longo e, talvez, até bastante exaustivo, mas acho que o tema merece.
Qual a sua avaliação sobre o hábito de leitura do brasileiro?
O brasileiro, infelizmente, ainda lê muito pouco. O índice de leitura mal chega a um exemplar per capita por ano. É quase nada quando comparado, por exemplo, com a Alemanha ou o Japão, onde o índice é de 30 livros por pessoas por ano. Mas acho que isso está mudando. O mercado editorial brasileiro passa por uma fase de crescimento. Nunca foi tão grande o número de lançamentos. Há livros para todos os gostos, incluindo uma literatura juvenil de muito sucesso, feita por escritores e escritoras que utilizam intensamente as redes sociais. O aumento da escolaridade média da população também ajuda a aumentar o número de novos leitores. Vamos colher os frutos de tudo isso no médio e no longo prazos.
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