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 | Miguel Nicolau/Especial para a Gazeta do Povo
| Foto: Miguel Nicolau/Especial para a Gazeta do Povo

Uma forma inspirada de explicar o que movia o escritor Samuel Beckett (1906-1989) aparece no posfácio de “Textos para Nada”, que a Cosac Naify acaba de publicar.

A pesquisadora Lívia Bueloni Gonçalves diz que James Joyce, irlandês como Beckett (que era bem próximo do autor de “Ulysses”, chegou a trabalhar para ele como secretário e frequentava a família), escrevia tendendo para a “onisciência” e para a “onipotência”. Beckett, em oposição a Joyce, dizia explorar a “impotência” e a “ignorância”.

Na prática (quer dizer, no texto), isso significa um narrador em crise. Ele não sabe para onde vai, o que quer ou de onde veio.

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Beckett dizia escrever ficção baseada na “ignorância” e da “impotência”.

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A princípio, o que chama atenção no texto é o jogo de linguagem. O narrador vai, mas não vai. Então muda de ideia. Fica e tem que continuar. “Alguém disse, Você não pode ficar aí. Eu não podia ficar ali e não podia continuar”, diz ele, bem no comecinho no livro.

Essa crise do protagonista que conta a história e é consciente dela – que não sabe direito o que fazer e se descobre nesse papel meio a contragosto – é uma assinatura de Beckett. Se você procurar ler o texto sem essa preocupação literária, sem esse contexto, vai encontrar uma narrativa que soa como música. Do tipo que funciona bem lendo em voz alta.

“Varia, minha vida é variada, não chegarei a coisa alguma”, escreve Beckett. “Bem sei, não há ninguém aqui, nem eu nem ninguém, mas não são coisas que se diga, então não digo nada. Outro lugar já não digo, outro lugar, pode haver outro lugar para este aqui infinito? (...) Deixe isso para lá, deixe para lá, nada leva a lugar nenhum, nada de tudo isso, minha vida é variada, não se pode ter tudo, não chegarei a coisa alguma, mas quando cheguei a alguma coisa?”

Às vezes, a briga do narrador com as palavras se torna mais franca: “Suprimidas, as palavras podem ser suprimidas, e os loucos pensamentos que elas inventam, (...) apague isso, basta dizer nada ter dito, e assim de novo nada dizer”.

É estranho falar em uma “melodia de Beckett”, pois o texto é profundamente pessimista. Mas, lá no fundo, depois de ter lamentado todo o absurdo que tem de aturar, esse narrador miserável não desiste. (Mais ou menos como a gente faz, ou procura fazer, quase todos os dias, com a vida.) E o pessimismo ganha outra cor.

“Textos para Nada”

Samuel Beckett. Tradução de
Eloisa Araújo Ribeiro. Cosac Naify, 288 pp., R$ 23,90.

É como na ideia de “falhar melhor” (ou “fracassar melhor”), já que você não tem como não falhar, que aparece em vários momentos nas peças e nos romances do irlandês que venceu o Nobel de Literatura em 1969. Para Lívia, a prova de que o narrador não desiste é que ele “nunca se cala”.

Uma ousadia de Beckett nos anos 1950 – depois de ter feito os romances “O Inominável”, “Molloy” e “Malone Morre” – foi abrir mão do inglês e optar por escrever em francês. O plano era usar uma segunda língua para criar textos mais básicos, mais simples, “sem estilo”.

“Textos para Nada”, de 1955, foi escrito em francês e é de uma crueza marcante.

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