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Literatura

Patrick Modiano escreve sobre um passado elusivo

Record lança três livros de Patrick Modiano que têm como tema a memória e a busca da história dos personagens

 | Mac 2/
(Foto: Mac 2/)

A fotografia é uma tentativa de perenizar um momento. De não esquecermos. Mas, com o tempo, a tendência é que a fotografia seja esquecida, jogada em uma pasta em que ninguém mais vê. Uma das histórias contadas por Patrick Modiano começa assim: com um fotógrafo da agência Magnum, em Paris, que colocou uma infinidade de fotos feitas ao longo do tempo em três malas. Perdidas as fotos, perdida a memória.

Nesse ponto, aparece o narrador. É dele o segundo esforço para não deixar que o passado se apague. Jovem, ele conhece o fotógrafo e se oferece para, pacientemente, fazer um catálogo de todas as imagens, registrando onde e quando elas forem feitas. Quando termina, o fotógrafo vai embora, carregando as pastas – resta apenas sua descrição. O livro é escrito três décadas depois, com o narrador registrando as memórias daquele período e daquelas imagens, que ninguém mais sabe onde foram parar. Ou seja: o romance, Primavera de Cão, é mais um esforço de recuperação de algo que fica cada vez mais distante, cada vez menos tangível.

A ficção de Patrick Modiano é toda feita desse esforço de não deixar que o passado seja subestimado, que nos abandone. Não se trata de nostalgia, propriamente. Mas os livros obsessivamente falam de tentar compreender algo que aconteceu antes, lembrando o quanto isso pode ter influenciado o que vivemos hoje, o que somos agora. Mas essa busca nunca é fácil: o passado é sempre esgarçado, sempre tênue, sempre incerto, sempre precisa ser reconstituído a partir de fragmentos que não são confiáveis.

Quando Modiano foi anunciado como vencedor do Nobel de Literatura de 2014, a primeira leva de livros dele a sair no Brasil veio pela Rocco. Um deles, Uma Rua de Roma, traz a metáfora perfeita para essa busca: um sujeito, desmemoriado, banca o detetive e tenta reconstruir a própria história falando com pessoas que (possivelmente) o conheceram em outros tempos. Claro, o resultado é sempre imperfeito, inconclusivo.

Agora, a Record lançou mais três títulos de Modiano no Brasil. Primavera de cão, Flores da ruína e Remissão de pena foram todos escritos mais ou menos na mesma época, entre o final dos anos 1980 e começo dos 90. E, embora não fossem originalmente parte de uma coleção, têm sido lançados como um pacote também em outros países – como aconteceu nos Estados Unidos. Talvez porque neles haja sempre esse mesmo clima de uma busca desiludida, mas importante, de quem somos.

O tom muda. É mais fragmentário no estranho Flores da ruína, em que uma história de um antigo homicídio (ocorrido antes de o autor nascer) se mistura à busca por saber quem é um personagem de passado desconhecido. É mais nostálgico em Remissão de Pena, que conta como dois irmãos se criam em uma casa de artistas de circo. É mais poético em Primavera de cão, que tem algo de esperançoso na descrição de um adolescente e seu ímpeto em não deixar que a memória desapareça.

Para Modiano, parece que a ideia de um passado que nos pertença inteiramente é impossível . Ele sempre nos escapa. Mas viver sem ele, sem saber de onde viemos, é ainda mais impossível. Resta tentar lembrar, por mais difícil que isso seja.

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