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Os três livros mais conhecidos da carreira literária de João Guimarães Rosa fazem aniversários “cheios” em 2016. A estreia em prosa com os contos de “Sagarana” completa 70 anos de lançamento da primeira edição em 1946.

Foi preciso uma década para que o autor reaparecesse em livro, não com uma, mas com duas obras de tamanho e importância vultuosa: as novelas experimentais de “Corpo de Baile” e a obra-prima “Grande Sertão: Veredas”, ambos lançados em 1956.

E, nesse meio tempo, por onde andou Guimarães Rosa?

Em um artigo chamado “O Senhor Mire e Veja”, escrito para a revista do Núcleo de Estudos do Livro e da Edição (LIVRO), a professora Marise Hansen, que atualmente se dedica a estudar a obra de Rosa em um doutorado na USP, investiga a década que se situa entre o primeiro livro em prosa e as obras (para usar uma expressão do próprio autor) “mastodônticas” como “Grande Sertão: Veredas”, entregues à luz editorial dez anos depois.

Ao buscar o que Rosa teria produzido e publicado no período, Hansen concluiu que a maior parte se encontra nas páginas dos periódicos para os quais escreveu com constância – os jornais cariocas “Correio da Manhã” (entre 1947 e 48), “O Jornal” (1952) e “A Manhã” (1954)

É nesses textos, observa a autora, que aparecem pela primeira vez características da literatura rosiana como a figura do viajante observador e atento que funciona como um recriador poético do que registra; de tudo o que se ouve e se vê e escreve no local visitado.

Ao analisar a produção de contos em jornal, Hansen nota que Rosa exercita estilo, temas e recursos usados em seus livros.

Areia e pedra

Numa crônica reunida no livro Andorinha, Andorinha, o amigo Manuel Bandeira faz um comentário sobre a produção de Guimarães Rosa para a imprensa e usa um lugar-comum: “Escrever para jornal é como escrever na areia. Rosa não escreve na areia. Grava na pedra”, afirmou Bandeira para ressaltar a qualidade do material publicado no jornal “O Globo”.

Também já estão presentes as narrações em tom de oralidade, o contraste entre o personagem que pertence ao território e sua relação com quem vem de “fora” – como na série de “reportagens poéticas” publicadas no “Correio da Manhã”, que receberam títulos como “Meu Tio, o Iauaretê”, e já tinham uma estrutura de prosa parecida com a que consagraria o escritor alguns anos depois em “Grande Sertão: Veredas”, em que na fala do narrador Riobaldo ressoa a de todo o povo sertanejo: “[...] Hui! Atiê!! Mecê não pode falar que eu matei onça, pode não. Eu Posso. Não fala não. Eu não mato mais onça, mato não. É feio – que eu matei. Onça meu parente [...]”

Exercício

Quem negaria que Guimarães Rosa não chegou perto da grandeza literária exercitando sua musculatura de escritor graças à prática constante na imprensa? “Assim um livro monumental como ‘Grande Sertão: Veredas’, escrito sem dúvida na pedra, foi também – em parte e em protótipo – escrito na areia”, diz Marise Hansen.

Jornalista?

É certo, contudo, que Guimarães Rosa nunca foi um jornalista. Diferente de outros autores importantes contemporâneos seus como Rubem Braga ou Carlos Drummond de Andrade, ele nunca bateu ponto em redação de jornal. Mesmo assim conseguiu manter uma produção constante.

Segundo a pesquisadora Marise Hansen, os motivos que levaram Rosa – que era diplomata e neste período dividiu-se entre compromissos diplomáticos entre o Rio de Janeiro, Paris e Bogotá – a produzir tanto para a imprensa são bem variados. Ele mesmo tratou de alguns pontos em sua correspondência pessoal.

Um deles era a prática de escrever para o espaço reduzido do jornal. Em carta a Manuel Bandeira ele reconheceu sua incapacidade de síntese.

“Começo a escrever, um mundo de coisas, ideias, imagens, reminiscências, me acodem. Escrevo cinco, dez, quinze páginas. E preciso reduzir a três. Começo a cortar, começo a corrigir. O meu desejo então é continuar a corrigir até o fim da minha vida. Mas há que entregar os originais. E no dia seguinte recomeçar coisa nova”.

Rosa pegou gosto pelo oficio. Depois de publicar suas grandes obras continuou escrevendo na imprensa em edições da revista “O Senhor” e no jornal “O Globo”, onde publicou grande parte do que seria seu livro de contos as “Primeiras Estórias” em 1962.

Foi numa edição de “O Globo” de abril de 1961 que saiu pela primeira vez, por exemplo, o conto “A Terceira Margem do Rio”.

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