Em 1946, o presidente Eurico Gaspar Dutra baixou decreto proibindo os jogos de azar no Brasil.
A canetada extinguiu, de um golpe, a “noite” carioca que nas décadas anteriores girava com as roletas de grandes cassinos como o da Urca.
Mais do que parar a jogatina, a decisão de Dutra teve implicações culturais pesadas: tornou inviáveis os espetáculos de luxo, grandes e caros em que atrações “da casa” ou internacionais arrebatavam plateias de grã-finos encharcados de champanhe (e algum éter).
Uma grande ressaca coletiva se abateu sobre centenas de músicos, cantores, dançarinas, coristas, barmen, crupiês e notívagos de plantão, atirados à rua da amargura.
Havia, porém, outro ciclo se formando. Desterradas, a música e a boemia (forças imparáveis) souberam migrar para um novo habitat: as boates de Copacabana. E nesses espaços pequenos à meia-luz, precisaram baixar o tom.
Nas bandas, havia menos instrumentistas tocando em andamento médio, próprio para se dançar de “rosto colado”. Foi-se também o “dó de peito” dos cantores do rádio.
Esse novo gênero – um samba suavizado, de harmonia e melodias complexas e letras falando de amores possíveis ou não – era cantado de forma quase sussurrada.
Essa música, o samba-canção, e o rico contexto social e histórico que a envolve são matérias de “A Noite do Meu Bem”, novo livro de Ruy Castro. “Sentia falta de um livro que tratasse extensiva e intensivamente dessa época. Como não encontrei, só me restava escrevê-lo”, explica o autor.
Castro retrata um período de pouco menos de 20 anos (1946 a 1965), que pode ser dividido em três forças que se entrelaçam.
Há o cenário formado pelas boates de Copacabana – Vogue e Sacha’s entre elas – e seus ambientes sofisticados que se comunicavam com núcleos do poder na época, como o Palácio do Catete, os escritórios dos grandes industriais e as redações dos jornais.
Havia também as pessoas que as frequentavam, que tanto podiam ser os grã-finos de sobrenomes como Guinle e Matarazzo, políticos, diplomatas os artistas, os intelectuais e boêmios.
E havia a música riquíssima que fazia sucesso no rádio e servia de trilha sonora para as noites longas.
Ela era composta por Dorival Caymmi, Ary Barroso, Antônio Maria, Luiz Bonfá, Adelino Moreira, Ewaldo Ruy. E cantada por Dick Farney, Miltinho, Jamelão, Nelson Gonçalves, Dóris Monteiro, Nora Ney, Elizeth Cardoso e Dolores Duran. Para citar apenas alguns nomes.
Ainda que muitas das letras dessas canções sejam lembradas pela temática triste (ou de fossa), Ruy Castro mostra que a coisa não era bem assim.
“As músicas todas falam do amor. E o amor compreende tanto a conquista como a perda. É por isso que o samba-canção resiste, pois fala de um sentimento pelo qual vamos passar: a dor e a glória de um grande amor”, diz o escritor.



