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Denis Johnson: vencedor do Prêmio Nacional do Livro, nos EUA, por Árvore de Fumaça | Ilustração: Marcos Mello
Denis Johnson: vencedor do Prêmio Nacional do Livro, nos EUA, por Árvore de Fumaça| Foto: Ilustração: Marcos Mello

Existem poucos autores capazes de explorar diálogos com a perícia de Denis Johnson. O romance policial Ninguém Se Mexe, de um ritmo atordoante, mostra como as aspas podem ser elementos poderosos de uma história. Na verdade, elas podem ser a história.

Inserir diálogos numa narrativa costuma servir para deixá-la mais rápida – mais cinematográfica de certa forma. Talvez isso explique a má utilização deles por parte dos livros que querem ser populares, que almejam o posto de best seller, mas terminam sendo um arremedo triste de obras de sucesso.

Assim, autores de quinta colocam personagens falando o óbvio ou lançando comentários supérfluos. Homens e mulheres abrem a boca quando não têm nada a dizer – provavelmente porque o autor é que não tem nada para falar.

Com Denis Johnson, o esquema é outro. Jimmy Luntz é o protagonista de Ninguém Se Mexe, um adicto em jogo que pena com dívidas contraídas por causa do vício. Assim começa a história. Luntz conversando com um cobrador, de nome Gambol.

Luntz tenta engambelar Gambol (desculpe pelo eco), mas o brucutu está cansado de ouvir desculpas. Os desdobramentos são inesperados. O pacato Luntz termina dando um tiro na perna de Gambol, mais por desespero que por valentia, e dá início a uma fuga desajeitada.

Essa sensação de falta de jeito é a grande sacada do autor. É assim que ele humaniza os personagens, tão falíveis quanto qualquer um. Afinal, a vida é meio sem jeito, sem coreografias ensaiadas nem sincronia de eventos (apesar de provas em contrário).

Depois de criar Árvore de Fumaça, um romanção de guerra premiado com o Prêmio Nacional do Livro (National Book Award), o mais prestigioso dos Estados Unidos junto ao Pulitzer, Johnson teria decidido prestar uma homenagem a grandes escritores policiais, como Dashiell Hammett e Raymond Chandler, escrevendo Ninguém Se Mexe. A impressão que este deixa ao cabo da leitura é que, para além do tributo, Johnson quis mostrar o que acontece quando um grande escritor resolve fazer um pequeno livro. Pequeno na pretensão.

Todos os elementos típicos do gênero policial estão ali. Não demora nada e Luntz conhece Anita Desilvera – há sempre uma garota e ela sempre traz problemas consigo – que se deu mal num processo de separação. Ela tem sangue indígena e uma queda por drinques de vodka com Sprite. Os dois se dão bem, mas, de novo, de um modo meio esquisito. Se você pensou que Anita surge para convencer Luntz a cometer um crime, bom, você acertou.

O que é preciso saber sobre os personagens, mesmo os coadjuvantes, aparece nos diálogos. Detalhes da história, idem. É uma experiência incomum: as falas coloquiais são encadeadas literariamente e funcionam como engrenagens recém-engraxadas.

Não basta transcrever um modo de falar para que ele funcione no papel. Até porque as falas costumam ser pontuadas por gírias e frases inacabadas. É necessário criar uma forma eficiente de emular a fala e, ao mesmo tempo, fazer literatura.

Denis Johnson é associado do clube de escritores que fazem esse processo parecer fácil demais. GGGG

Serviço:

Ninguém Se Mexe, de Denis Johnson. Companhia das Letras, 176 págs., R$ 39.

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