
"Eu não sou faixa pretis. Sou pretis inteiris", explica o comediante Mussum, com sua prosódia particular, numa cena de um dos filmes dos Trapalhões depois de, com uma só pernada, derrubar três oponentes em uma luta.
A cena, olhada em detalhe, mostra a marca do humor do ator e revela algumas das facetas deste que é um dos artistas mais amados do país: o comediante escrachado era também um ágil passista de samba e um militar disciplinado.
Era mais do que isso: um músico talentoso com êxito internacional, ator e palhaço profissional dedicado e competente, boêmio por vocação, um pai exigente e uma pessoa gentil e educada na intimidade.
Este é o retrato completo traçado pela biografia Mussum Forévis Samba, Mé e Trapalhões, que o jornalista paulistano Juliano Barreto lança 20 anos após a morte do artista.
O livro mostra um Mussum além de sua lenda, maior que o beberrão engraçado que hoje se transformou em ícone da internet.
A narrativa começa pela infância, no Morro da Cachoeirinha, em Lins de Vasconcelos, na zona norte do Rio de Janeiro, onde ele cresceu sozinho, enquanto a mãe, cozinheira de famílias ricas, trabalhava de domingo a domingo.
Quando já estava se tornando mais um dos moleques desocupados de seu bairro, teve a iniciativa de se matricular na Fundação Abrigo Cristo Redentor, internato público criado pela ditadura de Getúlio Vargas. Na Fundação, se tornou um bom e disciplinado aluno e fez curso profissionalizante de mecânico.
Quando deixou o internato, a família havia se mudado para as cercanias do Morro da Mangueira e foi lá, nos seus becos e botequins, que ele aprendeu a ser o Carlinhos Reco-Reco, um sambista performático que encantaria plateias do mundo todo. E ficaria eternamente ligado a sua escola de samba do coração.
Antes, porém, serviu por oito anos a Aeronáutica, onde reforçou as noções de disciplina e organização que adotaria na vida pessoal exatamente o contrário de seu personagem cômico.
Originais
Barreto foca a maior parte das quase 500 páginas do livro na fase menos conhecida da carreira de Mussum: a de músico nos grupos Os Sete Modernos do Samba e Os Originais do Samba. As duas formações conseguiram boa projeção nacional e internacional, em especial no México.
Sua faceta mais famosa, a de humorista de tevê, começou na primeira versão da Escolinha do Professor Raimundo, de Chico Anysio (1931-2012), ainda nos anos 1960. Logo, foi convidado por Dedé Santana para completar, ao lado de Renato Aragão (o Didi Mocó), e Zacarias (1934-1990) o quarteto Os Trapalhões. E o resto é história.
Com o grupo, Mussum estrelou 28 filmes que bateram sucessivos recordes de bilheteria. Na televisão, o auge da trupe de comediantes chegou a conquistar uma audiência de 80% dos televisores ligados no país nas décadas de 1970 e 1980.
A marca do personagem Mussum era um humor politicamente incorreto, que não teria espaço no entretenimento moralista e patrulhado da atualidade. O personagem ora bebia cachaça ("mé") entusiasticamente, ora se deslumbrava com uma bunda de mulher ("forévis").
Escrito com a anuência da família de Mussum, o livro não fala de temas considerados tabu, como o pai ausente do artista, além de ser um tanto condescendente com o alcoolismo crônico do comediante. Mas, ainda assim, a obra faz um retrato necessário de um artista e homem "adorável", como define seu parceiro Dedé Santana.
Trajetória
Saiba como o "cabo Fumaça" virou o comediante mais amado do Brasil:
1941 Antonio Carlos Bernardes Gomes nasce no mês de abril, no Morro da Cachoeirinha, no Rio de Janeiro.
1954 Aos 13 anos, se matricula no colégio interno da Fundação Abrigo Cristo Redentor, faz curso profissionalizante de mecânico e se e torna torcedor fanático do Flamengo.
1960 Aos 18 anos, ingressa na Força Aérea Brasileira. Brincalhão e extrovertido se torna o popular "cabo Fumaça" e monta os primeiros grupos de samba.
1963 Estreia na carreira musical tocando reco-reco e cantando no conjunto Os Modernos do Samba. O grupo acompanha a cantora Elza Soares em boates cariocas nas primeiras apresentações. A banda faz as primeiras excursões internacionais.
1967 Estreia na televisão, participando da Escolinha do Professor Raymundo, de Chico Anysio, na TV Tupi. Ganha o apelido Mussum do ator Grande Otelo, em referência ao peixe negro e escorregadio.
1971 Já com o nome de Originais do Samba (desde 1968), sua banda atinge o auge do sucesso com grandes vendas e o primeiro lugar no Festival Internacional da Canção, com a música "Lá Se Vão Meus Anéis", de Eduardo Gudin e Paulo César Pinheiro.
1973 A convite de Dedé Santana, passa a integrar o grupo Os Trapalhões, do qual faz parte pelo resto de sua vida. Com o grupo, estrela 28 filmes que arrastam multidões aos cinemas. Na tevê, foram 21 anos de programas de grande audiência na Rede Globo.
1994 Mussum morre em São Paulo, no dia 29 de julho, aos 53 anos, dez dias após ter feito um transplante de coração. Deixa quatro filhos.






