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 | Fotos: Guto Muniz/Divulgação
| Foto: Fotos: Guto Muniz/Divulgação

      Ter o Grupo Galpão e seus atores, que há 28 anos persistem unidos e interessados em se renovar pelo contato com diferentes diretores, fazendo as honras da abertura do 19.º Festival de Curitiba, é significativo para um evento que neste ano, a julgar pelas referências que acompanham cada espetáculo antes de aportarem na cidade, se desenha com a programação mais consistente dos últimos tempos. Till – A Saga de um Herói Torto (confira o serviço da peça), a montagem que inaugura a Mostra Contemporânea hoje, às 21 horas, na Ópera de Arame, abre caminho para um conjunto e que se comunica bem com o público sem comprometer o refinamento de linguagem.

      O mesmo se pode dizer, por exemplo, da comédia carioca Farsa da Boa Preguiça, com os tipos populares de Ariano Suassuna entregues a um diretor preparado como João das Neves, saído do Grupo Opi­­nião e responsável pelo musical Besouro Cordão de Ouro. E de outras produções convidadas, seja o Sha­­kespeare dessacralizado de Lady Macbeth, ou até da montagem que tem gerado as reações mais entusiasmadas entre os apreciadores de teatro: In on It, trabalho elaborado da Cia. dos Atores.

      Some-se Memória da Cana, adaptação de Newton Moreno para Nel­­son Rodrigues, que concentra o maior número de indicações ao Prêmio Shell-SP, e apostas em grupos jovens que estão sobressaindo com Rebu, O Ruído Branco da Palavra Noite e Escuro, o resultado é que a ampla programação da Mostra Contem­­po­­rânea,com 27 atrações em 12 dias, compõe sim um painel representativo – como o festival sempre almejou ser – do que melhor se fez no teatro paulista e carioca recente. Embora de modo algum se possa estender essa afirmação ao território nacional, uma vez que é absoluta, na seleção oficial, a ausência de produções de qualquer outra região que não Sul e Sudeste.

      In on It, aliás, quebra um paradigma da mostra: pela norma corrente, caberiam apenas espetáculos que tivessem cumprido temporada em São Paulo ou no Rio de Janeiro – nunca nas duas cidades. Abrir exceções às regras tem sido a escolha mais acertada deste ano, também no Fringe.

      Pela primeira vez em 13 anos, o evento paralelo passa pelo olhar criterioso de curadores, ainda que pontualmente. Chico Pelúcio – ator do Galpão – convocou espetáculos nos quais acreditava para ocuparem o Teatro Novelas Curi­­tibanas, apostando no teatro de grupo feito em proximidade com o público. Beto Andretta, fundador da Pia Fraus, trouxe representantes do circo paulista contemporâneo para o Cleon Jacques. E ou­­tras mais vieram como convidadas, permitindo que, em vez da desorientação habitual, o público do Fringe possa mirar em peças como Não sobre o Amor (esgotado), Cachorro!, De Como Fiquei Bruta Flor, É Só uma Formalidade e A Noite dos Palhaços Mudos.

      Além dos programadores, houve este ano uma preocupação da organização do festival em aglomerar os espetáculos por algum tipo de afinidade, mesmo que apenas por gênero. No Espaço Cênico, experimentações. Na Casa Vermelha e no Mini-Guaíra, dramas. No Teatro HS­BC, sucessos de público. O Teatro da Caixa teve curadoria interna. O Teuni acabou por reunir artistas estabelecidos da cidade, como Edson Bueno, Paulo Biscaia e Olga Nenevê. E os jovens exploradores ficaram no TUC, formando o Co­­le­­tivo de Pequenos Conteúdos.

      No palco e na rua com um herói inconsciente

      Foi na rua que o Grupo Galpão começou. Era 1982, Teuda Bara, Eduardo Moreira, Wanda Fer­­nan­­des, Antonio Edson e Fernando Linares subiam em pernas-de-pau para apresentar E a Noiva Não Quer Casar. Quase três décadas depois, Teuda, Moreira e Edson ainda estão juntos e, com eles, uma leva de ou­­tros atores sustentam (artisticamente, porque o subsídio financeiro vem da Petro­bras) uma das companhias fixas mais importantes do país. Mas desde Um Moliére Ima­­ginário (1997), não estreavam uma montagem criada para a imponderabilidade das ruas.

      Till – A Saga de um Herói Torto, a 18.ª peça do grupo, com a qual abre a programação da Mostra Contem­­porânea do Festival de Curitiba, recupera o prazer pela encenação ao ar livre. Estreou em Belo Horizonte na Praça do Papa e já foi vista por cerca de 20 mil espectadores, na contagem do ator Chico Pelúcio.

      Em Curitiba, em princípio, o espetáculo se muda para o palco. Se­­rão três sessões na Ópera de Arame – uma adequação que o gru­­po já experimentou no Palácio das Artes, durante a Campanha de Popularização do Teatro. "Perde a aproximação com a plateia, o compartilhar uma experiência lúdica num espaço público. Mas a luz e o cenário, a questão visual, ganham uma dimensão maior, e o espectador acompanha as nuances do texto", compara Pelúcio.

      O ator Júlio Maciel, investido do papel de diretor ,avalia que a transposição funciona bem. "Senti que a qualidade da energia da rua foi levada para o palco", diz. O público curitibano poderá vê-la das duas maneiras. O Galpão acertou com o festival duas apresentações além das que constam do guia, marcadas para o sábado (20) e o domingo (21), no Parque Bari­­gui, às 17 horas.

      Saga

      Como é costume no grupo, a decisão pela montagem só foi tomada depois de um workshop em que os atores propunham cenas curtas. Júlio Maciel, que já havia dirigido esse texto de Luis Alberto Abreu na cidade gaúcha de Passo Fundo, com um grupo então mantido pela universidade local, foi o escolhido.

      Till é um personagem de uma Alemanha miserável, que perde a consciência e é atirado no mundo (num tempo que alude à Idade Média) por uma aposta entre Deus e o Diabo: seria capaz de sobreviver sem cair em desespero? Sua saga o confronta com instituições e autoridades, revelando o bom e o podre dessas relações – porque sua consciência, afinal, não está ausente; ela se personaliza em outra figura, com quem o herói torto muito discute.

      "A primeira vez que vi o texto, feito para palco, o imaginei na rua e me lembrei do Galpão", recorda Maciel. "É um épico dramático, com uma linguagem extremamente popular que Abreu trabalha em várias camadas. Algumas pessoas vão ver o humor e as brincadeiras. As camadas mais profundas falam da miséria, da luta pela sobrevivência e da busca de utopias."

      Maciel aplica o que aprendeu com o grupo. "Estou muito im­­pregnado da linguagem popular. Busquei poucos elementos de cenografia, montada pelo Marcos Regina, e a simplicidade da linguagem do início do Galpão", diz.

      Teuda se afastou do projeto para filmar com Selton Mello. Em seu lugar, virá a Curitiba a atriz Fernanda Viana. Depois, Till em­­barca em uma turnê às margens do Rio São Francisco.

      Serviço

      Confira a programação completa do Festival de Curitiba. Acesse http://guia.gazetadopovo.com.br/teatro.

      Leia mais no blog http://www.gazetadopovo.com.br/blog/palco/

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