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Aforismo, diz o Aurélio, é uma "sentença moral breve e conceituosa". Para Marcelo Backes, é isso e mais. "O aforismo é o guerrilheiro na batalha da língua. (...) É apenas um estilhaço de pensamento feito prosa, uma máxima espirituosa de fôlego curto, sabedoria imensa e índole combativa. Mesmo assim, ele é capaz de emitir um juízo, expressar um conhecimento e desvendar o mundo na ligeireza de um espasmo", escreve Backes na página 17 do seu Estilhaços: Minigâncias-Digressões-e-Batocaços. Difícil ser mais claro do que que isso.

Tradutor de totens da literatura germânica (Goethe, Marx, Kafka, Brecht e outros), Backes é também crítico literário e, agora, se lança pela primeira vez à literatura de imaginação, usando aforismos, epigramas e minicontos para tratar das vidas artística, social e intelectual. Antes, publicou A Arte do Combate (Boitempo, 2003), uma turnê pelas letras alemãs embalada por fragmentos de autores essenciais (os citados na frase anterior, mais Robert Musil, Thomas Mann e Rainer Maria Rilke).

Gaúcho das Missões, voltou há pouco da Alemanha, onde concluiu seu doutorado em romanística e germanística pela Universidade de Freiburg. Considera Estilhaços "uma espécie de inventário" de sua formação pessoal por reunir textos de 15 anos atrás a outros recém-escritos.

Aos 32 anos e morando no Rio de Janeiro, Backes prepara um romance inspirado nas viagens que fez pela Europa. Maisquememória (assim mesmo, tudo junto) deve retratar Berlim, Paris, Veneza e várias cidades "pequenas e interessantes", como Riquewihr, na Alsácia. Na entrevista a seguir, ele diz porque considera a escrita uma arma.

Qual é a história com o poeta Fabrício Carpinejar? Mais de uma vez ao longo de Estilhaços, você parece querer provocá-lo – e em uma delas, admite ter "um pouco" de inveja dele.O Fabrício é meu amigo e foi meu colega no curso de Jornalismo na UFRGS. Eu o cito – sem querer provocá-lo – porque o considero um dos nomes mais representativos, em todos os sentidos, da minha geração; ademais, ele é o único escritor do mundo que vende poesia e ainda por cima faz um sucesso incrível sem voar baixo na poesia. Nesse sentido, ele não poderia deixar de ser citado num livro que se pretende, também, um painel fragmentado da literatura e da cultura brasileira contemporânea.

"Escrevo pra brigar com a língua e o mundo,/ E me entender comigo mesmo, por segundo." Nessa briga, quem está ganhando?Eu saio estilhaçado, mas sobrevivo; o embate – o enlace – é violento, mas produz filhos... A língua é a puta que eu cortejo, conquisto e engravido a cada dia, apesar dos ruídos e sopapos do mundo. E, ao me unir com ela, acabo me entendendo melhor, inclusive.

Alguns aforismos são escritos em alemão, latim e até russo, mas não têm tradução. Como o leitor deve interpretar esse artifício?Acho que faço isso também para mostrar os limites de uma das minhas atividades mais constantes, a tradução. Ademais, o leitor não perde com o fato de eles não serem traduzidos, na medida em que não são necessários para o entendimento do conjunto do livro. É como se o leitor encontrasse um trecho hermético que, por sorte, nem é necessário à compreensão da globalidade do texto. Com isso sinalizo também para algumas características dos gêneros que mais pratico no livro: o aforismo e o epigrama, que normalmente são independentes, nascem prontos no fulgor de um segundo iluminado e não toleram nem mesmo o veículo de outra língua para chegar ao leitor. Karl Kraus é muito, mas muito mais vigoroso em alemão do que em português...

Quando e como você descobriu que poderia ser um aforista?Bem cedo, acho que escrevi meus primeiros aforismos com 13 ou 14 anos. O aforismo – o epigrama também – nasce no momento em que uma alma em conflito é tocada pelo mundo que a cerca; e eu vivi conflitos desde cedo, coisa que pode ser vista – tangencialmente – até mesmo nos momentos em que me meto a fabular, como na novela "Glossário de Nomes Que São" e no "Dicionário Nostálgico do Meu Futebol Missioneiro".

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