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Estádio lindo, com medonha estrutura de acesso

Enquanto o Paraná não dispõe de um estádio que atenda às exigências de Sir McCartney, o jeito é deslocar-se a outras plagas para assistir ao seu concerto. Como – com todo o respeito ao tomate e ao pão de queijo –, Fortaleza é um destino turístico mais interessante do que Goiânia e Belo Horizonte, pareceu lógico escolher a capital do Ceará como destino da viagem.

O show serviu como reinauguração da Arena Castelão, orgulhosamente vendida pelo governo como "o primeiro estádio a estar pronto para a Copa". Está mesmo pronto? A construção serve como exemplo modelar das mazelas da gestão pública de obras no Brasil.

Um estádio lindo, espelhado e brilhante impressiona os olhos, enquanto seu entorno é um atoleiro de lama, com o único acesso à região sendo ponto de tráfego de caminhões.

Resultado óbvio: congestionamentos homéricos e violência urbana – "por favor, me feche esse vidro do carro, estão assaltando por aí" foi a medida-conselho que restou aos policiais de plantão.Até onde cabe na fotografia, o Castelão é perfeito.

São 70 anos de idade, 55 de carreira. O que motiva Paul McCartney a abrir mão das delícias do chá das cinco inglês para apresentar, em mais um concerto, um repertório que é basicamente o mesmo há pelo menos 30 anos? E para que o esforço de vir tocar numa praça tão distante quanto Fortaleza, cidade que fechou, na última quinta-feira, mais uma de suas miniturnês brasileiras?

Como é pouco provável que Sir McCartney tenha entrado nos juros do cheque especial, a hipótese mais óbvia – turnê caça-níqueis – fica descartada. Resta imaginarmos o prazer para o artista que, depois de tanto tempo, ainda consegue colocar uma enorme plateia na palma de sua mão, regendo-a com maestria.

E mesmo com tanto para esbanjar – caramba, pensem no repertório de que o camarada dispõe, contando Beatles, Wings e carreira-solo –, McCartney tem a humildade de reconhecer que o jogo da conquista nunca está ganho de antemão, requerendo trabalho para a captura de mais uma audiência.

Algumas de suas jogadas nesse sentido são contestáveis, como manter suas canções clássicas sempre com arranjos muito próximos da gravação original, inclusive no mesmo tom do registro em disco – o gogó septuagenário de McCartney até alcança as notas mais agudas de uma canção exigente como "Band on the Run", mas não as sustenta –; no geral, contudo, o cavaleiro inglês só acerta, como era de se esperar de um artista pop que construiu tanto, e tanta matéria admirável.

Seja na seleção de repertório, na movimentação de showman experimentado, nos artefatos cênicos e até nos comoventes esforços para se comunicar em português – com poucas passagens pelo Brasil, McCartney já tem um português melhor do que a média do inglês dos comandantes da aviação brasileira, que se comunicam na língua de Shakespeare várias vezes por semana –, o músico envolve a plateia, que se deixa levar.

Nos shows em estádio, a audiência não é apenas um elemento passivo, ajudando a compor o espetáculo. Fãs mais ardorosos podem comemorar as poucas fugas do repertório óbvio – como as interpretações de "Lovely Rita", "Your Mother Should Know" e "Being for the Benefit of Mr. Kite!" (uma canção de Lennon!) –, mas devemos admitir que, em ambiente tão amplo, funcionam mesmo melhor as canções conhecidas de todos: "Day Tripper", "Live and Let Die", "Yesterday" etc., incluindo aí até as mais desgastadas pela audição exaustiva, como "Let it Be".

Nesse panorama em que velhas canções ganham nova dimensão a cada vez em que são executadas, o ouvinte pode se surpreender com temas que já escutou um milhão de vezes, levando-o ao confronto de clichês analíticos há muito estabelecidos. Como era mesmo aquela história de que cabia somente a Lennon o papel de transgressor e letrista brilhante pela irreverência? Cantar uma piada como "Back in the USSR" em pleno 1968 deve ter exigido um tanto de audácia, não?

Para quem se pergunta como McCartney ainda consegue se sentar ao piano para cantar "Hey Jude" pela milionésima vez, fica o conselho: é mais fácil achar a resposta fazendo parte do coro no estádio do que assistindo a um dvd no sofá.

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