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Machado de Assis é nosso escritor número um. Difícil achar quem discorde disso. O curioso é: não era para ser assim. Alguém que lesse a história de sua vida, pelo menos a da sua infância, dificilmente acreditaria que o autor iria conseguir fazer grandes feitos, em qualquer área. Nasceu em família humilde, num país e numa época em que a aristocracia se especializou em impedir a ascensão social de quem quer que fosse. Era mulato – quase negro – numa terra em que os não-brancos eram usados de escravos há mais de 300 anos. Não bastasse, era gago, epilético e tímido.

Saber da vida de Machado é dar ainda mais valor ao escritor extraordinário que ele foi: um homem capaz de mudar a história da literatura de seu país com a publicação de um livro revolucionário, o célebre Memórias Póstumas de Brás Cubas, capaz de criar a personagem mais célebre de nossa ficção, Capitu; e dono de um estilo que se transformou em regra nacional de bom modelo. Talento reconhecido não só no país como em todo o mundo: afinal, foi o único brasileiro incluído por Harold Bloom na lista de cem maiores escritores da história.

Apesar disso, pouco se escreve sobre a vida de Machado, pelo menos com intenções comerciais. Há anos não se vêem nas prateleiras as suas biografias já escritas. Por isso, é de se comemorar a publicação de Machado de Assis – Um Gênio Brasileiro (Imprensa Oficial, 416 págs., R$ 60). Escrito pelo jornalista Daniel Piza, colunista e editor-executivo de O Estado de São Paulo, o livro dá uma boa noção da vida do escritor, do tempo em que ele viveu e de sua obra. Sem nenhuma grande inovação de pesquisa nem escafandrismos em detalhes insignificantes. E tudo contado com um texto agradável – o que não é pouco.

O livro começa pelo fim, contando os últimos dias de Machado. Solitário desde a morte de Carolina, a mulher a quem dedicou quase toda a sua vida, ele passou os quatro últimos anos, de 1904 a 1908, considerando-se algo como um cadáver adiado. Escrevia pouco. Depois do seu Memorial de Aires, dizia aos amigos que seria incapaz de trabalhar em mais um livro. Estava doente. No fim, surgiu-lhe ainda uma úlcera cancerosa na boca. Esperou o inevitável.

Além dos fatos fundamentais da vida do escritor, Piza tenta também definir o seu caráter. Faz parecer que ele era bem menos retraído e casmurro do que normalmente se pinta. Discute também o polêmico tema racial. Mostra sua origem, como descendente de escravos forros, e conta como Joaquim Nabuco considerou errado e pejorativo quando José Verissimo usou a palavra "mulato" para definir Machado, que havia acabado de morrer. Mostra o país em plena evolução tecnológica e demográfica em que ele viveu. E debate a literatura de Machado, defendendo-o ainda do já quase inacreditável rótulo de colonizado.

Embora não tente entrar nos detalhes irrelevantes do cotidiano, o livro de Piza também mostra como era a vida de Machado: um aficionado pelo xadrez, um estudioso da língua portuguesa e de outros idiomas, um funcionário público, um homem bem relacionado. Piza, talvez por estar acostumado com o jornalismo, com a busca do fato simples, sem muita interpretação, usa esses detalhes para compor a figura de seu biografado, abrindo mão, assim, de maiores intervenções no livro.

Como incentivo extra para a compra do livro, a edição traz muitas fotos e textos em versões fac-similares. São mais de cem páginas dedicadas a complementos do texto. Há desde cópias de edições originais dos primeiros poemas, publicados na imprensa carioca, até o texto de próprio punho de Machado para seu testamento. Várias das ilustrações e dos textos vêm em formato diferente, colados às paginas do livro, como para ser destacados.

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