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Livro

Emília – Uma Biografia Não Autorizada da Marquesa de Rabicó

Socorro Acioli. Casa da Palavra, 96 págs. R$ 39,90. Biografia.

Curiosidades

Fatos pitorescos envolvem a vida da boneca. Saiba de alguns, extraídos da obra de Socorro Acioli:

• Nascimento

Algum dia de 1920, na Rua Boa Vista, 52, em São Paulo. A primeira coisa que falou foi: "Que gosto horrível de sapo na boca!"

• Recheio

O interior da boneca é feito de macela, planta usada para confeccionar travesseiros. Tem 40 centímetros e pesa cerca de cinco quilos.

• Time

Palmeiras. • Experiência Profissional

Repórter do jornal O Grito do Picapau Amarelo, que nunca foi publicado.

• Preferências

As palavras prediletas são "meu" e "minha". O pássaro que mais gosta é a pombinha branca. Se morasse em outro planeta, seria Saturno. Das árvores, aprecia a Pitangueira.

• Acidente

Queda no ribeirão durante uma pescaria, sufocamento com uma jaca. De doenças, já teve anemia macelar no pernil barrigoide esquerdo.

Emília era muda e começou a falar. Ela não tem coração – literalmente – e se casou por interesse, só porque queria ser marquesa. Torce pelo Palmeiras, pesa cinco quilos, só teve um emprego na vida e pratica bullying contra os moradores do Sítio do Picapau Amarelo. Sua dona, Narizinho, a define assim: algodão por fora, asneira por dentro. Dona Benta, mais doce, diz que ela é "uma fadinha" que anda pelo mundo fantasiada de boneca de pano. Espevitada, tagarela, atrevida, às vezes politicamente incorreta, a personagem de Monteiro Lobato (1882-1948) entrou para o imaginário brasileiro a ponto de parecer ter vida própria.

Tanta vida que acaba de ser radiografada em um livro, Emília – Uma Biografia Não Autorizada da Marquesa de Rabicó (Casa da Palavra), no qual a cearense Socorro Acioli revê toda a obra de Lobato para narrar a trajetória da personagem, mais agitada que a de muita gente de carne e osso, diga-se.

"A minha dissertação de mestrado [na Universidade Federal do Ceará] foi sobre a leitura na obra de Monteiro Lobato. Aí resolvi incluir um capítulo que fosse uma biografia da Emília, e para isso reli todos os livros dele marcando as passagens com ela", conta Socorro, que suprimiu os trechos mais acadêmicos para publicar o livro, que reúne aventuras e curiosidades sobre a boneca.

Por exemplo: Emília tem data e local de nascimento, e esse lugar não é o Sítio do Picapau Amarelo, onde ela foi confeccionada por Tia Nastácia. Emília nasceu da pena de Monteiro Lobato em São Paulo, na Rua Boa Vista, 52, em algum dia de 1920. É o ano de escritura de A Menina do Narizinho Arrebitado, que depois Lobato lançaria com o título Reinações de Narizinho. Nasceu muda, como os leitores sabem, e só disse a primeira frase : "Que gosto horrível de sapo na boca!", depois de tomar uma pílula falante no Reino das Águas Claras. Não parou de falar nunca mais.

Às vezes, tagarelou até demais. Não à toa, é ela o pivô das acusações de racismo que seu criador tem sofrido ao longo dos anos, ao chamar Tia Nastácia de "beiçuda" e "macaca de carvão", entre outras ofensas. Mas a "biografia" não fala desse lado B de Emília.

E Socorro Acioli se justifica: "Quis focar o trabalho na análise de construção de personagem. Lobato conseguiu o máximo com Emília em 24 livros, é uma aula para qualquer escritor ou roteirista", afirma a autora. "Não faço de conta que isso [o racismo] não existe, mas não quis tratar de questões laterais. E há um momento em que Emília diz que criticar Tia Nastácia é como criticar a ela mesma. Considero isso uma metáfora do que nós brasileiros somos."

Monteiro Lobato, nas cartas pesquisadas por Socorro Acioli, contava ter perdido o "controle" sobre a personagem. "Ela me entra nos dois dedos que batem as teclas e diz o que quer, não o que eu quero. Cada vez mais Emília é o que quer ser. Fez de mim um ‘aparelho’, como se diz em linguagem espírita", escreveu o autor, em 1943, ao amigo Godofredo Rangel.

Detalhes

A pesquisa de Socorro questiona pormenores que não chamariam a atenção do leitor mais desatento. Você já percebeu que Emília nunca fica doente? A explicação é dada pela própria boneca: "Eu sou de pano e as doenças não penetram o meu corpo. Sabe por quê? Porque o pano é uma peneirinha que coa a doença...". Com seus olhos feitos de retrós, ela vê melhor do que qualquer pessoa do Sítio e se diz capaz de achar uma pulga na Ursa Maior. Boneca de pano come? Tem horas em que ela diz que não –e sente inveja dos humanos –, mas isso não a impede de saborear croquetes no Reino das Águas Claras.

Como ela fala muito (inclusive errado), Socorro se empenhou em fazer um inventário das palavras inventadas pela boneca, criando um dicionário do "emiliês". Borboletograma, por exemplo, é um telegrama enviado nas asas das borboletas. Petróleo ela chama de "azeite de defunto". "Bissurdo" é absurdo. O verbete "Tia Nastácia" equivale a "máquina de fazer comida".

E há até palavras misteriosas, que só existem no idioma da personagem. Alguém sabe o que é "crocotós"? Emília explica: "É uma coisa que a gente não sabe bem o que é. Crocotó é tudo que sai para fora de qualquer coisa lisa. (...) Crocotó é tudo que é empelotado ou espichadinho como os tais chicotes. Os marcianos são crocotíssimos." Ah, bom.

O livro relembra as aventuras de Emília pelo Reino das Águas Claras e também o casamento por interesse com Rabicó, porque sonhava ser princesa. E marquesa, afinal, já era um bom começo. Mas tem vergonha do marido. Quando vê Tia Nastácia fazendo um leitão para o Natal, começa a comemorar, jurando ter ficado finalmente viúva.

A pesquisa de Socorro lembra como a imagem que se tem de Emília foi criada pela televisão. Afinal, na primeira descrição de Lobato, ela é feia. Ao longo de 24 livros, a aparência dela vai mudando, inclusive pelas mãos dos seus muitos ilustradores.

Tevê

A primeira Emília na telinha foi Lúcia Lambertini, em 1952, na Tupi do Rio de Janeiro(um patrocinador até suspendeu os anúncios, por não dar conta da demanda criada pelo sucesso da série). A primeira boneca veio em 1954, produzida pela Mesbla. O programa mais longevo, com 1.436 capítulos, estreou na Globo nos anos 1970. Reny de Oliveira, segunda Emília dessa série, foi demitida depois de posar para a Playboy. A primeira criança a interpretar a boneca foi Isabelle Drummond, em 2001.

É bom lembrar que, apesar do título, a biografia de Emília é, sim, autorizada pelos herdeiros de Monteiro Lobato. O título, diz Socorro, é uma brincadeira com a recente polêmica sobre a publicação de biografias não autorizadas, e também com a personagem. É que Emília uma vez contratou o Visconde de Sabugosa para escrever suas memórias, mas desistiu quando viu o sabugo de milho escrevendo umas verdades sobre ela. Então, assumiu o posto e inventou aventuras que jamais haviam acontecido. Quando é confrontada por Dona Benta, ela responde: Minhas memórias são diferentes de todas as outras. Eu conto o que houve e o que deveria acontecer."

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