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Liniane Haag Brum viajou ao Araguaia e fez um mergulho familiar para escrever o livro | Marcelo Min/Divulgação
Liniane Haag Brum viajou ao Araguaia e fez um mergulho familiar para escrever o livro| Foto: Marcelo Min/Divulgação
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Livro

Antes do Passado – O Silêncio Que Vem do Araguaia.

Liniane Haag Brum. Arquipélago Editorial. 272 págs., R$ 39.

"Tio Cilon me acompanhou sempre. Era alto magro, cabelo preto e liso, repartido ao lado. Tão bonito. Meu padrinho era lindo. Pena que quando eu nasci ele desapareceu."

Trecho do livro Antes do Passado – O Silêncio Que Vem do Araguaia, de Liniane Haag Brum.

"Nunca pensou que meu batizado seria a última vez que veria tio Cilon, nem que ele se tornaria desaparecido político. Ao meu pai calhou a missão de porta-voz de notícias incompletas, reveladas à meia voz, à luz bruxelante do abajur ou no meio do mandiocal atrás de casa."

A autora descrevendo o papel de seu pai, irmão mais velho, ao tratar do desaparecimento.

Diversos aspectos sobre o período da ditadura militar (1964-1985) no Brasil continuam sombrios, sobretudo para familiares de desaparecidos que não conseguiram enterrar seus mortos. A instituição da Comissão da Verdade, criada pela presidente Dilma Rousseff, ela mesmo uma militante, e discussões sobre a Lei da Anistia (de 1979) fizeram com que o tema voltasse ao debate. Momento oportuno para a autora Liniane Haag Brum, que acaba de lançar Antes do Passado – O Silêncio Que Vem do Araguaia, sobre a história de seu padrinho, Cilon Cunha Brum, que desapareceu logo após o seu batizado, em junho de 1971. A obra foi selecionada pela Bolsa Funarte 2010.

Liniane cresceu apenas com a sombra daquela história, ouvindo por trás das portas e traduzindo o assunto que era debatido e relembrado em sussurros dentro da sua família. Quando criança, sempre ouvia: tio Cilon sumira numa "tal Guerrilha do Araguaia", e, a partir daí, ela começou a absorver essa história. Na infância, a autora lembra-se de ver constantemente um livro verde chamado Guerrilha do Araguaia, com uma foto de seu tio e uma pequena biografia. Aos 15 anos, ganhou Brasil Nunca Mais, relato da ação repressiva do governo ditatorial. Foi quando a ficha começou a cair: na lista dos desaparecidos políticos no fim do livro, estava o nome de seu padrinho, que sumira em 1973.

Cilon, gaúcho que largou sua cidade natal, um bom emprego em uma agência de publicidade e a faculdade para militar politicamente, foi um dos 69 militantes do Partido Comunista do Brasil a ser enviado para as proximidades da região do Bico do Papagaio, em Tocantins. O objetivo dos jovens, a maioria perseguidos nas grandes cidades, era criar vínculo com os moradores locais e dar origem a um movimento de resistência ao regime que nasceria no campo – o que foi exterminado pelo governo brasileiro. Anos se passavam e a família, aflita, teve esperança de que a Lei da Anistia, que possibilitou a volta de exilados ao país, trouxesse Cilon de volta. Em vão. Depois de 17 anos (em 1996), o governo brasileiro reconheceu várias pessoas como mortas ou desaparecidas políticas, entre elas, o padrinho de Liniane. O atestado de óbito saiu, mas o corpo para o enterro nunca chegou.

Angústia

Essa aflição – e também o melindre com que o assunto foi e é tratado –, além da impossibilidade de viverem o seu luto por completo, ficam claros na narrativa não linear de Liniane, que mistura suas memórias de infância do tio com os relatos sobre a figura de Cilon: um jovem magro, alto e vaidoso, que sempre andava de camisa bem passada, destoando dos outros militantes, como lembraram os companheiros de partido e ex-colegas entrevistados pela autora. Outro aspecto curioso da obra são as cartas, misturadas entre os capítulos, que Liniane escrevia durante sua pesquisa para a avó, Lóia, sobre Cilon. Relatos que geralmente traziam anexos e surpresas, como fotografias do filho desaparecido (devidamente inclusas no livro) achadas pela neta. Antes do Passado pode parecer desconexo em algumas partes, mas consegue mostrar aspectos de um momento do país do ponto de vista de um núcleo familiar, ao mesmo tempo em que revela fatos sobre a história do Brasil inteiro.

Ditadura

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