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Roberto Farias conta que militares vigiavam a Embrafilme, mas estatal costumava desafiar a censura | Valterci Santos/Gazeta do Povo
Roberto Farias conta que militares vigiavam a Embrafilme, mas estatal costumava desafiar a censura| Foto: Valterci Santos/Gazeta do Povo
  • O Assalto ao Trem Pagador, de 1962, foi o responsável por projetar a carreira de Farias
  • Cartaz de Rico Ri à Toa, de 1957: primeiro filme do cineasta ganhou restauração do Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro

Logo nos primeiros minutos de conversa, o cineasta Roberto Farias, que ganhou notoriedade com o filme O Assalto ao Trem Pagador (de 1962), deixa claro: não concorda com os atuais subsídios ao cinema brasileiro. "Me dou muito mal com essa história de arranjar dinheiro", disse o diretor, que esteve em Curitiba na última semana para exibição do seu primeiro longa-metragem, Rico Ri à Toa (1957), restaurado pelo Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro.

Diretor da Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme) de 1974 a 1979, em pleno governo ditatorial de Ernesto Geisel, o cineasta garantiu que projetos com temas polêmicos não eram barrados em sua gestão. Farias foi responsável por definições importantes na época: os filmes recebiam da estatal, no máximo, 30% do valor do orçamento. "As principais coisas que emperram o cinema hoje foram abolidas na minha gestão". Confira os principais trechos da entrevista concedida à Gazeta do Povo:

O senhor disse que tem dificuldade para levantar recursos federais nos moldes exigidos hoje. Por quê?Existe uma certa euforia com a situação do cinema brasileiro, por um lado justificado. Faz-se ótimos filmes, os técnicos têm trabalho e se aperfeiçoam, surgem diretores maravilhosos, mas tudo isso repousa e mora num castelo de cartas.

O que seria esse castelo de cartas?O cinema brasileiro vivendo de incentivo há dez anos ou mais. Não se fez uma política para atrair a iniciativa privada. Então, basta uma crise mais profunda ou um presidente maluco tipo o Collor [Fernando Collor de Mello fechou a Embrafilme em 1990] que, de repente, diz que não precisa de incentivo. O principal é atrair o recurso privado. Hoje, o retorno para quem investe é baixo. É claro que nós, cineastas, temos muitos argumentos, como pensar na atividade cultural. Aos ouvidos de quem manipula cifras, é um discurso poético. É válido, mas sozinho não se sustenta. Meu medo é que outro furacão, como aconteceu em 1990, faça o cinema ir a zero de novo.

Qual é o cenário ideal?Existem várias possibilidades. O cinema brasileiro durante 70 anos não teve incentivo fiscal. Se o produtor arcasse com um porcentual considerável, a preocupação com o mercado seria maior. Não acho que o incentivo federal deva acabar, mas ser mais calcado na realidade. Algo bastante viável seria uma linha de crédito que emprestasse dinheiro com tempo maior para pagar. Isso deixaria no mercado pessoas que fazem da profissão algo sério. Dificilmente chegariam aventureiros. A qualidade seria melhor e evitaria uma burocracia monumental, que existe hoje.

Sobre sua direção na Embrafilme, o senhor explicou que havia critérios de seleção, mas não restrição aos temas dos projetos. No entanto, o Brasil estava em plena ditadura militar. Existia censura na estatal? Nunca. Dizíamos que nós éramos do Ministério da Educação e Cultura. A censura era do Ministério da Justiça. Nós fazíamos os filmes. Se o Ministério da Justiça quisesse censurar, censurava. Mas a nossa obrigação era de lutar para que isso não acontecesse.

Mas havia vigilância, não?Sim, e era grande. Os órgãos de segurança viviam bisbilhotando. Agora, censura (no trabalho da Embrafilme) nunca admiti. Quando estávamos produzindo Gaijin – Os Caminhos da Liberdade (da cineasta Tizuka Yamasaki), lembro de ter recebido uma recomendação de não financiar o filme, já que a Tizuka falava sobre a colônia japonesa, e o Brasil não reconhecia colônia. Eu simplesmente ignorei e nem respondi.

Logo após a sua saída, o senhor produziu Pra Frente, Brasil (1982). O filme retratava a repressão e desagradou os militares. Como foi este processo?Eu já havia saído da Embrafilme, e eles aprovaram. Era um desejo de respirar fundo... O governo não queria admitir que o projeto passou. Irritou tanto que o Figueiredo [João Figueiredo, presidente de 1979 a 1985] queria fechar a empresa.

O senhor chegou a ser ameaçado?Foi um momento de muita tensão. Me telefonavam e diziam para eu ter cuidado. Um dia saí de casa e tinha um carro da polícia enchendo o meu retrovisor. Felizmente, não aconteceu nada. Eu já havia mostrado o filme para vários jornalistas. Fazer algo comigo, num momento de abertura política, seria um escândalo.

Qual foi o sentimento quando a Embrafilme fechou? Para mim, ficou a saudade. Eram necessárias modificações. O Collor deu o peteleco final. A Embrafilme avançou no mercado de forma avassaladora [ocupou 35% do mercado de filmes nacionais e levou 50 milhões de espectadores ao cinema]. Isso desagradava exibidores nacionais, que precisavam dividir a renda. Não houve uma grita, as pessoas acharam certo que ela acabasse.

Qual o sentimento em ver Rico Ri à Toa restaurado?Tenho um carinho enorme. É um filme que tinha de dar certo. Eu não tinha dinheiro quando fiz, meu pai tampouco. Ele arranjou com um agiota, que emprestou 200 contos. Esse era o valor da casa dele, a única coisa que tinha na vida. Mas, o filme custava um milhão. Consegui um sócio e botei dinheiro. Precisava pagar o agiota em 120 dias. Fizemos o filme, exibimos e fui pagar. Foi um risco grande que papai correu (risos).

O Assalto ao Trem Pagador é considerado seu melhor filme. O senhor concorda?É um filme importante, que eu gosto muito. Porém, costumo dizer que cada filme tem uma época. É como um filho. Não tem como gostar mais de um do que de outro.

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