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O escritor argentino criou seu personagem Daniel Hernández nos moldes dos investigadores de Agatha Christie | Divulgação
O escritor argentino criou seu personagem Daniel Hernández nos moldes dos investigadores de Agatha Christie| Foto: Divulgação

À parte suas tramas envolventes, as histórias de mistério de Agatha Christie fizeram sua fama também pelo perfil de seus detetives. Os dois mais conhecidos – Hercule Poirot e Miss Marple – são diametralmente opostos ao polivalente e atlético Sherlock Holmes, de sir Arthur Conan Doyle. O primeiro é um tipo cômico, com cabeça de ovo, bigode fino, desajeitado e sedentário, com um nome incomum – algo como Hércules Alho-Poró. Já Miss Marple é nada menos do que uma anciã que apresenta diversas dificuldades em se locomover e é considerada por vezes caduca.

A aparente inaptidão de Poirot e Miss Marple para desvendar crimes não só confere um ar acidental para a história como também aproxima o universo literário do universo do leitor comum, que quase sempre não é um Sherlock nato. Imbuído desse espírito o argentino Rodolfo Walsh, que ficou mais conhecido pela denúncia política em Operação Massacre – que culminou com seu desaparecimento –, criou, ainda jovem, o protagonista dos cinco contos de Variações em Vermelho: Daniel Hernández, um tímido e atrapalhado revisor de provas da editora Corsario que é impelido ao seu primeiro caso acidentalmente, quando um colega de trabalho aparece morto em sua casa, aparentemente vítima de um suicídio. Acompanhando o delegado Jiménez, precipitado em suas conclusões, consegue jogar uma nova luz ao caso ao analisar as provas de prelo que o colega revisou antes de morrer.

A ideia de que virtualmente qualquer pessoa é capaz de resolver um crime com base no conhecimento específico que ganhou durante a vida permeia "A Aventura das Provas de Prelo", o primeiro conto do livro. Mas talvez seja mais do que isso.

O nome do detetive, Daniel, não é aleatório. Walsh inspirou-se no Daniel bíblico, cujo livro o autor atribui as primeiras histórias policiais da humanidade em seu apêndice intitulado "2.500 Anos de Literatura Policial". Assim como o personagem da Bíblia, que prova a inocência de Suzana e revela quem são os ladrões do templo de Bel, Hernández também é dissertativo, expondo longa e detalhadamente seu ponto de vista.

Assim seguem os contos de Walsh: Jiménez vai à cena do crime acompanhado pelo revisor de texto, e interroga os suspeitos até que chega a uma conclusão, a qual é derrubada por Hernández rapidamente, expondo então o verdadeiro assassino. Se o molde dos contos é um tanto inflexível, fica na riqueza de detalhes que permitem dupla interpretação dos fatos a preciosidade dos textos de Walsh. Ambas as leituras são plausíveis e, ainda assim, sagazes em sua confecção.

Se o delegado Jímenez peca por ser precipitado e por confiar demais na experiência, Hernández ganha terreno por seu olhar sensível, não só para as provas de prelo de seu colega morto, mas para as artes em geral. É assim, por exemplo, que consegue descobrir como, no conto que dá título ao livro, um suposto assassino pode ter se trancado em um quarto pelo lado de fora, com a chave na fechadura, ou como um outro suposto assassino em "A Sombra de um Pássaro" pode ter atravessado o quintal de uma casa sem deixar rastros. Todas as impossibilidades técnicas que se apresentam em cada caso de Variações em Vermelho são desmascaradas pela erudição de Daniel Hernández. Sonhador ou não, Rodolfo Walsh acreditava na aplicação prática da educação artística.

Diálogos

Em "Três Portugueses Embaixo de um Guarda-Chuva (sem Contar o Morto)" o escritor reduz a fórmula de suas histórias curtas a diálogos que por si só, já implicam uma interpretação. A história é simples: quatro portugueses embaixo de um guarda-chuva, cada um olhando para um ponto cardeal diferente, até que um deles aparece morto. Interrogando todos ao mesmo tempo, Hernández tira sua conclusão com poucas respostas. Mais do que uma versão condensada de seus contos, Walsh, que também trabalhou como jornalista e revisor de textos, sabe que a arte detetivesca se encontra na intersecção da principal qualidade de cada uma das profissões: saber fazer as perguntas certas e apegar-se às palavras usadas.

Serviço:

Variações em Vermelho e Outros Casos de Daniel Hernández. Tradução de Sérgio Molina e Rubia Prates Goldoni. Editora 34, 240 págs., R$ 39. Contos policiais.

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