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O ritual para quem chega todas as manhãs ao Expo Trade é quase sempre o mesmo. Dirigir-se a uma das mesas em que atendentes distribuem o aparelho de ouvido para tradução simultânea, sintonizar numa das seis línguas da ONU – ou o português, idioma do país anfitrião – e buscar um lugar. A essa altura, em sete cabines ao fundo, elas e eles, os intérpretes, 44 no total, já leram documentos sobre o que vai ser debatido e estão na guarita para uma jornada mínima de seis horas, mas com possibilidade de trabalhar noite adentro. Palavra não tem hora.

O espaço é minúsculo, mas a vista é privilegiada: vestimentas exóticas, rostos diferentes, humores, gente cochichando, uma paisagem que bem ajuda quem vai se deparar com termos técnicos, sotaques diabólicos e ciladas lingüísticas de uma conferência em que o mote é a biossegurança, assunto que não costuma ser discutido no sofá da sala.

"Tem de gostar, estudar o tempo todo", resume Simone Montgomery Troula, tradutora com 25 anos de cabine (13 deles a serviço do Itamaraty), cinco idiomas, especialista em assuntos médicos e criadora do Escritório de Intérpretes de Conferência (EIC), com sede em São Paulo e 13 profissionais. Simone montou uma delegação de oito intérpretes para atuar na COP3/MOP8. Pena para a maioria não conhecê-las pessoalmente.

Para quem vive na cabine, é como se a palavra monotonia não existisse em nenhuma língua. "Semana que vem vou estar num encontro em Vitória sobre papéis, só volto para casa em abril. Espero que meu marido ainda esteja em casa", diverte-se Maria Teresa Lindsey, 30 anos de intérprete, quatro idiomas. Mas, se traduzir eventos da indústria ou de ecologia exige aumentar o vocabulário até com fermento, há momentos que valem uma vida. Teresa já serviu de tradutora, na Itália, para a Madre Teresa de Calcutá. Juntamente com Simone, com quem trabalha, foi a voz no Brasil de Lady Diana e do príncipe Charles. Sem falar naqueles dos quais não se lembra o nome, mas dos quais não esquece as palavras. Foram muitos. E os melhores.

Nesse quesito, a mexicana Cristina Delcastillo, 35 anos de intérprete, quatro idiomas, é hors-concours. Ela se decidiu pela carreira por ocasião dos Jogos Olímpicos da Cidade do México, em 1968. Já teve inesquecíveis parcerias gramaticais com a coreógrafa Martha Graham e com o violinista Yehudi Menuhin, mas entre as interpretações que foram para seu livro de ouro está a do dia em que teve de levar alguns americanos até um grupo de refugiados guatemaltecos, expulsos do país por um ditador apoiado pelos EUA. "Era um indígena. Ele falou, num espanhol perfeito e pausado, que um presidente que expulsa seu povo não pode ser um homem bom. Era o que eu gostaria de ter dito naquele momento. Foi emocionante. Nem sempre é tão bom assim", conta Cristina, não sem antes mostrar o braço arrepiado pela memória.

Versáteis por natureza, as intérpretes passam da emoção para o riso como saltam do inglês para o francês ou espanhol. Luciana Piva, 37 anos, apontada como o bebê do grupo, lembra de seu maior mico: traduzir um animado líder sindical americano, em cima de um caminhão, na frente de uma fábrica do ABC, às 5 da matina. Teresa traduziu um representante mundial de embalagens de plástico para cozinha diante de uma multidão de revendedores. No palco, ele repetia aos berros cada letra da marca do produto, levantando os braços, para que os participantes repetissem. A franzina, refinada e contida Teresa teve de repetir o gesto e a empolgação. Depois dessa, até traduzir um congresso sobre óvnis deve ser menos embaraçoso.

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