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Na infância, John Gordan teve um cachorro chamado Shaun. O animal beirava a perfeição. Era comportado, corajoso, carinhoso e respeitava todo tipo de comando. Pessoas que o conheciam, ficavam fascinadas e pensavam logo em arranjar um igual. "Foi Shaun que estabeleceu o padrão pelo qual eu julgaria todos os outros cães que viriam depois dele", escreve Grogan no prefácio de Marley & Eu (Tradução de Thereza Christina Mota e Elvira Serapicos. Prestígio Editorial, 272 págs., R$ 29,90).

O menino cresceu, virou jornalista, casou e foi morar na Flórida (o que é mais ou menos como trocar o Paraná pela Bahia). Com a mulher Jenny, decidiu que teriam um animal de estimação para testar os dotes maternais dela. Assim, em 1991, conheceram Grogan’s Majestic Marley of Churchill, nome pomposo que o dono decidiu dar ao labrador recémcomprado, caso quisesse apresentá- lo em algum concurso – Majestoso Marley da (rua) Churchill, de Grogan.

"Era a primeira vez que eu tinha a chance de me aproximar da nobreza", escreve, sobre o fato de ter um cão com pedigree. "Admito que deixei isto me subir à cabeça." Na prática era Marley, inspirado pelo cantor e compositor jamaicano homônimo.

O trecho em que o casal escolhe o nome depois de uma semana de discussões que não levavam a nada é impagável. Para pôr um fim à briga entre Chelsea (sugestão dela, considerado pouco masculino por ele) e Caçador (opção dele, descartada por ela como "masculino demais"), Jenny liga o aparelho de som e, na voz de Bob Marley (1945 – 1941), os versos de "Is This Love" levaram os dois a gritar o nome do cão em uma só voz.

Há um detalhe que aparece no subtítulo do livro: "A vida e o amor ao lado do pior cão do mundo". Por "pior", entenda uma figura oposta ao "São Shaun" do prefácio. Embora fosse amoroso e valente, Marley era bagunceiro, hiperativo e malcriado. Recusado por escolas de adestramento, destruidor de sapatos, flores e o que mais passasse pela sua frente.

Hoje pai de três filhos, Grogan resolveu contar as aventuras da família com Marley na coluna que produz para o jornal Philadelphia Inquirer semanas depois da morte do cão em 2003, aos 13 anos. O sucesso foi instantâneo. A média de 20 mensagens que recebia a cada texto publicado saltou para 800. As colunas deram origem ao seu primeiro livro e o livro, como não poderia deixar de ser, vai virar filme.

Chamar Marley & Eu de best seller é pouco. Nesta semana, na lista de mais vendidos do jornal The New York Times, talvez a maior referência para o país, a obra de Grogan ocupa o 2.º lugar, posição impressionante para um título que está há 46 semanas no ranking de não-ficção em capa dura (os americanos costumam distinguir esta da versão brochura, mais comum no Brasil).

Centrado na vida ao lado deMarley, Grogan narra episódios corriqueiros – como comprar chocolate para a mulher grávida no meio da noite – e outros surpreendentes. Em uma noite, a vizinhança acorda com o grito de uma mulher e mais tarde descobrem se tratar de uma das moradoras, esfaqueada por um provável estuprador.

No episódio, o dono descobriu que seu cachorro bonachão poderia se tornar violento e feroz graças a uma situação de perigo. "Quando olhei para frente, ali estava ele, a três metros de nós, olhando para a rua, numa posição de ataque que eu nunca vira antes", descreve o autor. "Ver Marley naquela postura singular de cão de guarda, tão majestoso e destemido, fez meus olhos encherem de lágrimas. O melhor amigo do homem? Com certeza ele era."

Tão piegas quanto uma história de amor por um cão pode ser, Marley & Eu deve representar o primeiro sinal de uma nova febre literária. É possível que a chamem de "zooliteratura".

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