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Moz entende de drama. | Artiquities/Wikimedia Commons
Moz entende de drama.| Foto: Artiquities/Wikimedia Commons

It’s Morrissey’s town, we just live in it” (“é a cidade do Morrissey, apenas vivemos nela”). Estampados na camisa de um fã, os dizeres sintetizam bem o show que o músico de 56 anos deu nesta terça-feira (17), no Teatro Renault, em São Paulo.

Se houvesse uma Emolândia, capital dessa tribo chorona que curte letras sofridas, o ex-vocalista dos Smiths mereceria uma estátua na praça central.

Presença no palco, letras emocionais (tudo bem que faltou a mais fatalista de todas, “Heaven Knows I’m Miserable Now”) e rompantes politizados carregaram forte carga melodramática -na medida do possível para um inglês, claro.

Morrissey, ou apenas Moz, soube dosar a mescla de hits e novidades. O cancioneiro mais recente estava lá, mas ele não menosprezou a paixão não superada dos fãs por sua antiga banda.

O show teve novidades, clássicos das fases solo e Smiths e até uma bizarra menção ao “Fantástico” (Globo), recebida com vaias por parte da audiência.

Dramático

E olha que de drama Moz está cheio.

No último ano, ele superou um câncer no esôfago e o catatau de críticas negativas a seu romance de estreia, “List of the Lost” -o jornal inglês “The Telegraph” elegeu as dez piores frases do livro, como esta: “Quem pôs a dor na pintura também tinha posto a diversão no funeral”.

Chegou a anunciar que esta turnê, para o álbum “World Peace Is None of your Business” (2014), pode ser o epílogo de sua carreira (a conferir).

Morrissey

Citibank Hall (Av. das Nações Unidas, 17.955), (11) 4003-5588. Sábado (21), às 22 horas. Ingressos ainda disponíveis (sujeito à confirmação): R$ 550 (camarote setor 2), R$ 200 (plateia superior 2), R$ 180 (plateia superior 3) e R$ 270 (pista). Classificação indicativa: 14 anos.

Primeiro, o começo: antes de subir ao palco, às 22h, submeteu ao público a uma espécie de sessão educativa de “Como Ser Moz”, com meia hora de vídeos que fazem sua cabeça.

Há clipes de Ramones, New York Dolls, Tina Turner, Charles Aznavour e um dançarino “old school” de flamenco.

O escritor James Baldwin (1924-1987) discursa sobre racismo na América, enquanto Anne Sexton (1928-1974), de camisola em casa, lê seu pouco sutil poema “Wanting to Die” (querendo morrer) -ela se suicidou após vestir o casaco de peles da mãe, se trancar na garagem e ligar o escapamento do carro.

Só então o músico entra em ação, com uma de suas costumeiras camisas sociais (essa era preta) que desabotoa até o meio do peito (justiça seja feita: ele está podendo).

De cara, uma concessão à plateia: inicia seu show com um clássico da carreira solo, “Suedehead”, em que pergunta por que raios seu interlocutor “telefona e manda bilhetes tolos”.

Engata com um sucesso dos anos 1990 da carreira solo: “Alma Matters”, no qual canta que “a vida é minha para destruir como eu bem entender”.

O homem charmoso de “This Charming Man” é a próxima cantada pelo homem que, em sua autobiografia, encerra a polêmica sobre suposta homossexualidade se dizendo “humanssexual, tecnicamente atraído por humanos”.

A apresentação transcorre intercalando músicas menos conhecidas com hits do naipe de “How Soon Is Now”, fora um ou outro gesto politizado.

Em “Speedway”, Morrissey troca de lugar com o tecladista Gustavo Manzur, que finalizou a canção em espanhol.

Um telão mostra cenas de abuso policial enquanto ele cantava “Ganglord”, sobre o chefe da gangue que vira um protetor contra a brutidão da polícia. A música conversa com “First of the Gang to Die” (o primeiro da gangue a morrer), de 2004, também no repertório.

“World Peace Is None of your Business” é um de seus mais escancarados libelos políticos: a “paz mundial não é da sua conta”, Moz provoca, desde que “você trabalhe duro e pague docemente seus impostos”.

A menção ao Brasil, logo após os versos anarquistas “cada vez que você vota, você apoia o processo”, causa comoção.

Animal político

O show, que teve banca do Peta na entrada, mostra ainda vídeo com cenas indigestas de violência contra animais. A trilha: “Meat Is Murder” (carne é assassinato), música de 1985 dos Smiths. A legenda: “Qual é a sua desculpa agora?”.

O vegetariano Morrissey, 56, põe em seus contratos: desiste de tocar na hora se flagrar alguém (no público ou na equipe) comendo carne.

Em junho, o partidário da causa animal ficou tiririca ao descobrir só após tocar que clientes VIP do Madison Square Garden, em Nova York, se saciaram com sushis de atum, sanduíches de almôndega e outras guloseimas carnívoras.

Quatro meses antes, ele suspendeu um show na Islândia em protesto aos “cabalísticos comedores de carne com sede de sangue”.

Se a humanidade mesmo indo para o buraco, Morrissey introduz “Earth Is the Loniest Planet” (a Terra é o planeta mais solitário) com um afago a São Paulo.

Conta que dirigiu pela cidade e viu pessoas lindas a seu redor. “Se fosse vocês, ficaria onde estão. Todos os outros lugares do mundo têm problemas.”

Certamente ele não tem acompanhado o noticiário local. Até arrisca, é verdade: sonda a plateia sobre o “Fantástico” (Globo), que o teria chamado para gravar o programa.

Várias pessoas na plateia vaiam, e o inglês quer saber, num tom entre a malícia e a ingenuidade, por quê. “Ninguém vai gostar de mim lá?”

Ao menos aqui ele pode ficar tranquilo. Mesmo a disposição do público -em lugares delimitados no teatro, fora uns tantos que foram para a frente do palco- colabora para a postura reverencial à estrela desta noite.

E Morrissey dá seu show.

Finaliza o dia com uma homenagem às vítimas do atentado parisiense (cantou “I’m Throwing My Arms Around Paris” com uma bandeira da França ao fundo).

Segue com a saideira, “The Queen Is Dead” (a rainha está morta). Dessa vez, o telão exibe uma montagem da rainha Elizabeth 2 mostrando o dedo do meio. E paramos por aqui.

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