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Paulinho da Viola: talento, elegância e discrição | /Divulgação
Paulinho da Viola: talento, elegância e discrição| Foto: /Divulgação

O compositor Paulinho da Viola é conhecido por sua elegância, discrição e certa timidez. O músico carioca, de 73 anos, costuma dar poucas entrevistas e não é propriamente um artista engajado em discussões políticas como Chico Buarque e Caetano Veloso, para citar artistas de sua geração.

Paulinho, que fará um único concerto em Curitiba, no próximo dia 18 de novembro, às 21h, no Teatro Guaíra, costuma gastar seu tempo livre lendo, compondo ou trabalhando como marceneiro e luthier de instrumentos em sua oficina. Ou recuperando carros antigos.

Paulinho da Viola em Curitiba

Dia 18 de novembro às 21h

Teatro Guaíra (Praça Santos Andrade s/n, centro)

Ingressos: R$180 (plateia inteira ) a R$70 (2º balcão - meia entrada)

O autor de “A Dança da Solidão”, porém, rompeu o silêncio numa longa entrevista ao Caderno G e falou sobre sua preocupação com os rumos da política no pais.

Paulinho falou sobre a perseguição a artistas por seu posicionamento político e sobre as razões que o levaram, após anos de silêncio, a declarar seu voto nas últimas eleições.

Falou também, é claro, sobre música. O artista traz a Curitiba, seis anos depois de sua última apresentação, na Corrente Cultural de 2010, o show que, segundo ele, é “uma evolução” do concerto que lançou em 2014, celebrando seus 50 anos de carreira.

“O show foi mudando durante estes dois anos. Cada apresentação é diferente. Há canções muito populares que marcaram a minha carreira, mas também músicas que são muito importantes para mim, ainda que menos conhecidas”.

Vindo de uma recente excursão à Holanda, onde foi homenageado pela orquestra filarmônica de Roterdã, Paulinho da Viola tem muito a dizer. Sempre com bons argumentos.

O samba tem uma cultura de reverência. Os artistas de destaque são chamados de “mestres” ou “bambas”. O senhor é tido como o artista mais importante de seu gênero musical e já atingiu este status. Como lida com isso?

Você se acostuma a dizer “não”. A não acreditar no que te falam. Isto teve muito a ver com a minha formação. Eu participava de reuniões com meu pai [o violonista César Faria (1919-2007)] como carregador de instrumento. Foi uma experiência muito importante. Na música, o fundamental é a solidariedade, a comunhão. Não tem essa coisa de “mestre”. Eu sou um compositor que canta. Quando eu canto eu quero mostrar a música e não a mim. Quando eu canto uma música do Cartola ou do Paulo da Portela eu não posso estar acima deles. Quero que as pessoas parem e pensem “que coisa linda o Cartola fez”. Isso me ajuda a baixar a bola.

Mas como o senhor enxerga o clima de tensão e incerteza política pela qual o Brasil está passando?

Tudo no Brasil é muito novo. Assim como a própria música. O pessoal fala em uma “música tradicional”, ou a “música brasileira”. Mas se você parar para pensar é uma coisa relativamente nova. Esta coisa tão diversificada, tão rica, que não desaparece, pelo contrário, se multiplica e tem uma dinâmica de gerações de artistas de várias vertentes é uma coisa relativamente nova como cultura de massa. Todo na vida do Brasil acontece ainda de modo atropelado e um pouco a reboque do que acontece no resto do mundo. É assim que eu vejo como artista. Primeiro as coisas acontecem fora e, um pouco depois, elas vêm acontecer aqui. As mudanças ocorrem de modo lento. Só agora a gente está começando a ganhar certo caráter. O que eu vejo é aqui, talvez pela dimensões do território, é que a gente tem um país, mas ainda não tem uma nação

O que faltaria para formar uma nação?

Uma consciência política que a gente não tem. Veja bem, eu não estou falando de consciência politica como sinônimo de pensamento de esquerda. Consciência sobre o que está acontecendo no campo público no país e no mundo. E como isto reflete aqui. Um grupo muito pequeno de pessoas tem esta preocupação. A grande maioria das pessoas está com razão voltada para a vida, para o dia a dia, para as preocupações do cotidiano. A gente ainda está se formando. Não há uma ideia decidida nem em termos culturais, nem políticos no país. Não está claro ainda o que nós somos e o que queremos ser.

No último domingo (30 de outubro), o Rio de Janeiro passou por uma eleição muito disputada. Como o senhor viu o resultado e o que espera da nova direção que sua cidade escolheu?

Eu não sei. A gente tem que ver. As cartas estão na mesa e o jogo está feito. Eu sou um cidadão comum. Tenho procurado acompanhar através dos veículos de comunicação e conversar com amigos, mas mesmo assim às vezes não temos elementos para formar uma opinião muito sólida. O que me chamou a atenção foi o nível de abstenção muito alto. Isso é muito preocupante. Mostra um desencanto, certo ceticismo de uma parte considerável do povo que talvez há algum tempo atrás tenha feito questão de escolher seus representantes. De resto, é preciso esperar. A gente está passando por um processo muito complicado na economia e na politica. Mesmo este pessoal que se dedica a estudar estas questões nem eles podem fazer alguma previsão. A cidade vai ver agora quais são as medidas tomadas e quais são os planos reais desta turma que está entrando agora e torcer para que as coisas aconteçam da melhor maneira possível.

Dentro da divisão que se criou no país, o senhor percebe um movimento de criminalização ou menosprezo ao posicionamento público dos artistas?

É preciso repensar isso. A questão é que a classe de artistas e intelectuais assim entendidos em sentido amplo são milhares no país. O fato de determinados artistas se manifestaram é uma decisão e um direito de cada um. De qualquer cidadão, aliás, de dizer o que pensa. É isso que a gente defende. Há muitos em número muito maior que não são procurados a se manifestar ou então não querem falar nada, o que também é um direito, como foi o meu caso por muito tempo. Mas há artistas que pensam diferente. É uma confusão muito grande quando alguns articulistas citam a “classe artística” como se fosse uma coisa monolítica um bloco em que todos defendem as mesmas ideias. Isso já anula este argumento.

O senhor nunca foi exatamente um artista engajado a ponto de tornar pública sua orientação política...

Durante muitos anos, nas décadas de 1960 a 1980, grande parte da classe artística se engajou em causas como, por exemplo, a das eleições diretas. Artistas de várias correntes, de vários gêneros diferentes. Grande parte da sociedade estava mobilizada para isso. Logo depois esta mobilização foi um pouco esvaziada por que aconteceram muitas coisas no mundo e no Brasil, depois de muitos anos, eleições.

Na década de 1990, eu fiquei um pouco intrigado: será que é justo ou a quem ajuda o artista dizer que vai votar em determinado grupo político. Eu tinha duvidas se isto era justo e se era uma causa democrática. Será que simplesmente por ser um artista conhecido eu tenho direito de fazer isso? Eu me questionei muito quanto a isso. E chegou um tempo em que quando o pessoal me procurava eu dizia “olha gente, eu me reservo o direito de não falar nada, de ficar na minha”, entende?

E por que nesta eleição o senhor resolveu manifestar seu voto?[ Paulinho declarou apoio ao candidato derrotado Marcelo Freixo (PSOL) na eleição carioca]

Depois de ser muito cobrado pela família e amigos eu achei que desta vez talvez fosse importante. O que me intrigava era essa dúvida: será que só por ser artista você acha que tem o direito de dizer em quem as pessoas tem que votar ou não e isso tem alguma importância no que as pessoas imaginam e esperam. Sempre foi meu temor. Mas, desta vez, me manifestei por que achei intimamente que precisava falar aquilo que estava pensando. Por uma série de circunstâncias que envolvem a política aqui no Rio de Janeiro.

O melhor jeito de um músico dar seu recado ainda é através de suas composições, certo?

Sim, acho que isso é o mais importante. Fazer um trabalho que tenha alguma resposta. Você faz o que sente e nem sempre acerta. Às vezes erra mais do que acerta. Mas quem diz o que é certo ou errado?

Se você não tivesse virado músico em 1964 poderia hoje ser um bancário aposentado, com uma garagem cheia de ferramentas e que toca violão de vez em quando...

Pode ser. Acho que seria isso mesmo. Eu amo esta coisa da mecânica, da marcenaria esta coisa do trabalho manual. É uma coisa que vem da infância e me marca muito. Era um tempo em que você tinha que dar solução aos problemas porque não tinha alternativa. Meu primeiro professor de violão, por exemplo, era um zelador de um prédio da rua onde morávamos. Seu Zé Maria. Muito amigo do meu pai. Tocava violão muito bem. Sabia música, sabia solfejo, fazia transcrições para o violão e era um zelador de prédio. Foi quem me ensinou as primeiras notas. Ele também consertava rádios e vitrolas das pessoas. Ele era um homem simples e ao mesmo tempo sofisticado. Sempre existiram pessoas assim. Pessoas do povo, que não são conhecidas, mas têm talento e são muito preparadas para encarar os desafios da vida.

O senhor é este tipo de pessoa?

Eu sou um pouco deste universo mais popular, da classe média baixa que tinha que fazer a própria comida, passar a própria roupa, consertar as coisas. Minha mãe no hospital para pessoas com deficiência mental. Era uma pessoa que trabalhava duro. Meu mundo é um pouco esse.

O trabalho como marceneiro influencia teu trabalho como compositor?

Não sei falar isso. Acho que tem uma coisa que forma o um caráter que é uma boa educação. Acho que ajuda a formar um bom caráter

E como dar uma boa educação para as pessoas?

Esta é uma das grandes discussões postas no Brasil. Educar como? Educar o quê? Tem certas coisas que são básicas. O mais importante é saber que existe um “outro”, que você precisa respeitar. Isto sempre houve na minha família. Existam certos valores que são fundamentais e o principal é o respeito ao outro. Saber que tem um “outro” que é diferente de você, mas que tem os mesmo direitos ou pelo menos deveriam ter. Não é assim ainda por distorções que temos lutar para corrigir. Estes valores que a gente precisa reservar ou a vida vira uma guerra. E você sabe como é na guerra: morre muita gente e enquanto uns poucos ganham muito dinheiro. Esta coisa meio fascista que parece estar se ensaiando no mundo, crescendo em alguns lugares, me assusta.

Você teme que esta onda termine em violência?

Isto dá medo sim. Mesmo uma pessoa da minha idade. Achei que tínhamos nos livrado disso. Por isso, eu exercito a tolerância com os meus filhos. Não imponho nada e não quero dizer para eles o que é a verdade. Eu quero que eles venham conversar comigo para a gente se entender. A gente tem opiniões diferentes, às vezes, cada um deles é diferente e a gente tem que se respeitar.

Falando em filhos, dois deles tocam na sua banda. Como é trabalhar com eles?

Sim, meu filho João Rabello, toca violão. Minha filha Beatriz Rabello é cantora, e quando pode também participa. É um grande prazer.

A sua origem é o choro. O senhor acha que o choro é o gênero musical mais brasileiro?

O choro é um resultado de muitas experiências musicais. A nossa música teve muita influência da música europeia: italiana, francesa e portuguesa. E da música africana, sem dúvida. Isto foi amalgamado e costurado aqui e resultou em várias formas de música que cresceram no Brasil com uma dinâmica própria que vai mudando, influenciando e sofrendo mudanças. É uma coisa fascinante. Você não tem uma forma pura, isso não existe.

Por que o choro segue vivo e forte e se reinventando?

Muitas destas correntes são coisas nossas, que refletem exatamente aquilo que nós somos. Já não é mais europeu ou africano. Virou outra coisa. Já passou por um processo cultural de modificações e acréscimos e foi se enriquecendo com a influência de várias culturas. Isso somos nós.

O senhor sempre cita o curitibano Julião Boêmio como um dos melhores músicos de choro do país...

Ele é um grande cavaquinista. Eu sempre cito o nome dele quando me perguntam sobre instrumentistas jovens. Ele é um dos três que eu sempre destaco. Há outros muito bons. Eu recebo muitos trabalhos de músicos mais jovens. Tem uma geração muito boa por aí.

Curiosamente é um pessoal jovem tocando uma música parecida com aquela que tocava na casa da sua família...

Eles vão mais longe ainda. A instrumentação pode ser a mesma, mas eles vão além. O pessoal do tem o mesmo instrumental com flauta, bandolin e violão, mas traz ideias novas, usa harmonias novas. Propõe outros caminhos. É muito interessante. E a turma está se apurando muito na parte técnica. Fico muito feliz.

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