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 | Alexandre Mazzo/ Gazeta do Povo
| Foto: Alexandre Mazzo/ Gazeta do Povo

Valter Hugo Mãe é um sujeito que exala lucidez e parece ter vivido muitas vidas além desta. Em Curitiba para participar do Litercultura, o escritor português, em entrevista coletiva, falou com invejosa eloquência sobre Dalton Trevisan, Islândia e solidão, e revelou sua vontade de escrever um livro cuja história se desenrole no Brasil. A seguir, confira a entrevista na íntegra:

"Mãe"?

Acho muito machista esta perpetuação do nome de família dos homens. E as mulheres serem constantemente voltadas ao apagamento. Então decidi que não iria usar o nome do meu pai. Não porque tivesse problemas com ele, mas porque seria como rejeitar a minha mãe. Depois, porque o nome do meu pai e da minha mãe são nomes muito habituados para funcionários dos bancos. Mas não são nomes resistentes para escritores. Para alguém que quer viver numa dimensão mais onírica da vida. E nós precisamos transgredir. Nem todas as tradições, nem tudo que herdamos, faz sentido continuar. Acho que o ser humano, a experiência humana mais extrema pertence às mulheres. Porque nada se compara à maternidade. Os homens são, na verdade, a parte fraca da humanidade. A parte desfavorecida. Ou a parte pobre. E talvez os homens precisem de encontrar motivos para justificarem a sua vida numa espécie de fragilidade física. Porque a biologia não reservou aos homens uma aventura feita de milagre. Reservou às mulheres. As mulheres provavelmente são um pouco mais apaziguadas. E pensam menos em subir as montanhas porque a biologia lhes ofereceu uma montanha interior que nem todos os homens conseguem construir ou entender. Nunca quero ser mulher, estou bem comigo homem. Faço essa alusão ao meu nome por achar que a arte, a cultura, a literatura, é uma tentativa de chegar ao absoluto. É uma utopia do absoluto. Como gente, nunca estaremos no absoluto se não podemos passar perto do que é a experiência das mulheres. E por isso, enquanto escritor, eu quero tentar entender. Enquanto gente, quero tentar entender. Mas não estou a tentar engravidar.

Leminski e Dalton

A minha grande escola foi a da poesia. Cresci sonhando em ser poeta e minha biblioteca é, sobretudo, de poesia. O Leminski tem um tipo de pensamento que eu adorava conseguir ter porque ele é muito cirúrgico na maneira como fala, muito sintético. Com muita pouca coisa, parece demolir o mundo - ou construir o mundo inteiro. E tem sempre uma ironia muito perto da piada, da anedota, que consegue fazer com que o poema ou o verso chegue absolutamente à toda a gente. É um poeta com uma lucidez tão grande que consegue falar com um indivíduo que não lê poesia e com um erudito. O Leminski tem uma dimensão de rock star. A poesia dele é canção-rock. A gente ouve uma frase e ela fica. As frases são todas anotáveis, sublinháveis. Por isso o leio sempre.

Adoro os livros, mas impressiona-me que os livros venham de alguém. Por isso impressionam-me as pessoas que os escreveram, porque os livros mudaram muito a minha vida. E o Leminski influenciou muito essa possibilidade. Não sei muito sobre a vida dele, mas acho que ele nos ensina que a literatura permite que tenhamos uma dimensão de gozo, de alguma alegria, de alguma rebeldia. E não propriamente a literatura como um bicho neurótico, afetado, angustiado. Gosto que minhas angústias tenham um caminho de saída. Fico angustiado, ouço fado e Cartola. Mas depois gosto de ter uma porta de saída e ouvir Nirvana.

Dalton Trevisan ensinou-me muito sobre má-criação. No bom sentido. É literatura com sal. A gente sente-se adulto ao ler aquilo. E sente que tem que fazer alguma coisa pela vida porque a felicidade não é ler livro. Ler livro é descobrir onde está a felicidade. Ele ensina a mexer, a acreditar, a esquecer que sou feio e a arriscar. Quero ver se consigo encontrar Dalton Trevisan na rua. É impossível? Alguém já viu? (risos e afirmações positivas). Então vou ver também, eu tenho olhos. Estou fazendo um cerco muito bem feito. Estou procurando Dalton Trevisan mais do que top model. Só o quero ver passando.

Facebook

Tenho muito medo de estar só. Gosto que as pessoas possam encontrar-me. Que as pessoas tenham a possibilidade de chegar mais perto. Claro que se forem milhares de pessoas não consigo fixar todas. Mas sempre tem um jeito de alguém se transformar em uma figura importante em minha vida. E é verdade que algumas das figuras mais importantes dos meus dias de hoje conheci sim no Facebook. O Facebook só é horrível se nós o fizermos horrível. Como todas as dimensões do humano, vai ser certo ou errado se nós quisermos que aquilo seja certo ou errado.

Compaixão pela dor

Os meus livros vieram de uma natureza a qual não pude prever. Não tive imediatamente a intenção de criar personagens com os quais eu me pudesse compadecer. Ou a partir dos quais eu pudesse estar a discutir assuntos de importância para a dignidade da existência. Desde muito pequeno eu queria salvar o mundo. Sempre achei que isso era possível. Toda a gente me diz que não, não é possível. Mas ainda assim, por mais dúvidas que eu tenha, não consigo participar voluntariamente em sua destruição. Não consigo conscientemente escolher o lado da destruição do mundo. Pude perceber recentemente que os meus livros podem ser úteis. Foi muito problemático a dada altura, porque temos tendência em aprender que a arte é uma deslocação do objeto de seu estado natural, colocada em um estado antinatural e então ela vira um problema que nós precisamos de pensar. Não preciso imediatamente propor uma teoria para o mundo. De repente, vi que meus livros são aconselhados por psicólogos, psiquiatras, são estudados em universidades. Uma vez, em Leiria, uma mãe pediu para que assinasse dois exemplares de Filho de Mil Homens. Um para cada filha. E essa mãe era psiquiatra. Ela disse: "Quero que um dia, se meus filhos perderem tudo, que não percam ao menos estes livros. Porque esta é a herança que eu quero que elas recebam. O que eles ensinam." Eu quase me senti responsabilizado como se eu tivesse de ser efetivamente boa pessoa. E eu penso assim: "Será que estou à altura dos meus livros enquanto gente?" Preciso aceitar essa dimensão da literatura. Da minha literatura. Porque há outros livros que não ajudam nada ao mundo. Só o colocam em perigo. Não consigo não considerar minha natureza. Por isso vou ganhando consciência disso. Depois de ter escrito baltazar serapiao, fui convidado a participar de todos os movimentos feministas de Portugal. Reuniões onde havia só mulheres. E só tinha eu de não mulher. Gosto disso. Que os livros possam efetivamente dizer respeito de fato às pessoas.

Humanização

Acredito que no nosso tempo de vida, e não apenas no tempo da infância, temos profundas crises, em que encontramos a necessidade de nos definirmos, e de percebemos coisas sobre nós que ainda não tínhamos percebido. Ao chegar aos 30 anos, achava que estava perfeitamente consumado como gente pensante. Pensava: "Sei o que sou, o que quero ser, sei do que ando à procura, sei do que me faz feliz, do que me faz triste", e por isso estava mais ou menos pacificado com as energias todas do mundo. Sabia mais ou menos qual era o caminho. A partir dos 35, 36, tudo mudou substancialmente. Aquilo que achava que era o centro da minha vida, desvirtuou-se completamente. Percebi que o tempo fornecesse-nos uma verdade sobre nós que não é fornecida antes. Que é guardada para um determinado momento. E nos meus livros trabalho muito com isso. Com a chegada do momento em que nós ou mudamos de paradigma ou encontramos o paradigma do nosso percurso. Finalmente, percebemos o que é que nos compete. Como se define a nossa natureza. E talvez a resposta nunca seja definitiva. No fundo o que estou a dizer é isso: talvez muitas pessoas estejam certas do que são e passem a vida empedernidas, sem fazer qualquer esforço para entender outras formas de estar. E acho importante que estejamos disponíveis para entender outras formas de estar.

Solidão

Aquele que se entrega à solidão, afasta-se daquilo que é humano. A solidão pode ser um estágio, mas ela não é o sentido do humano. Ela não é um propósito, um objetivo da humanidade. A solidão é antinatural para aquilo que é humano. Eu fujo da solidão nesse sentido, porque acho que aquilo que define a humanidade é iminentemente uma ideia de coletivo. Um indivíduo sozinho não é humano. Um indivíduo só é humano a partir do outro. A partir da expectativa do outro, da presença do outro. Sozinhos, somos avulsos e inopinados, indiferenciados e absolutamente desimportantes. Aquilo que faz de mim gente é você. Você transcende de mim. Esta é a transcendência em que acredito. Posicionarmo-nos uns com os outros numa plataforma de confiança. A solidão é algo que nós precisamos de definir dentro de nós porque é sobre ela que precisamos construir companhias. É a partir desse ponto zero, quando percebemos que tudo se perde quando nos voltamos à solidão, que percebemos a importância da construção coletiva. Não vale a pena acreditarmos em Deus enquanto não acreditarmos em nós mesmos.

Autores brasileiros, tristeza e riso

Li muitos. Guimarães Rosa. Li os clássicos todos. Recentemente faleceu ariano Suassuna. Era figura impressionante. Ano passado pude cumprimentá-lo e percebi que o tamanho da dignidade da obra dele era muito pequeno em relação ao tamanho daquele homem enquanto gente. O Auto da Compadecida foi muito inspirador para mim. Aquele lado que se agarra às tradições. E tem muita graça. É um humor feito em cima da desgraça, da tristeza. Tenho muito essa mistura entre o que é triste e de repente é belo. Às vezes a tristeza tornasse ridícula. E a gente ri da tristeza. Se passarmos um período de tristeza, é muito redentor subitamente encontrarmos o primeiro sorriso, o primeiro guizo. E aí diminuir nossa dor, até sermos capazes de sorrir daquilo que nos fez sofrer. De alguma loucura que cometemos num primeiro momento. Quando meu pai morreu, minha mãe partiu algumas louças. E no meio das louças que ela partiu, havia algumas que ela adorava. E então, um bom tempo depois, nós rimos disso. Eu disse "Mãe, você foi burra. Deveria ter partido só as coisas feias, o que não presta. Aquilo que compramos de barato na feira. E você foi partir as porcelanas finas." Ela riu-se. Não é bem um arrependimento porque não podemos nos arrepender do sofrimento. Mas a gente riu pela lembrança dessa perda. Do momento em que ficamos loucos. E a loucura tem uma certa piada. Isso é redentor. Ela passa a falar das louças, e a morte do meu pai passa a ser possível porque passa-se a se misturar com outros acontecimentos. Não aconselho ninguém a partir porcelanas finas, mas partam outras coisas. Ajuda.

Islândia

O meu livro é muito duro. E a Islândia de hoje é profundamente humanitária. De uma igualdade espantosa. É o lugar do mundo em que a igualdade entre homem e mulher é mais elevada. Nesse sentido da integração. Da paridade. Da oportunidade de direitos. É o lugar de um povo extremamente pacífico, muito tímido. Um povo muito metido à dentro, introspectivo, mas muito respeitador e admirável. No livro, criei paralelos com a literatura islandesa secular. Com as sagas. A Islândia, embora sempre com uma população mínima – ainda hoje são 320 mil habitantes e até o século 19 eram 15 mil – criou a mais espantosa biblioteca dos povos nórdicos, o que deixa a morrer de inveja gente como os dinamarqueses, suecos e noruegueses, porque, povos muito mais antigos e estruturados e estudados, deixaram uma literatura secular muito menor e desinteressante comparada à islandesa. E as sagas são as narrativas das violências dos vikings. Os islandeses eram um povo violentíssimo, atroz, muito cruel, que viveu numa idade media até o século 19. Quando escolhi a Islândia para pensar acerca da humanidade, foi muito motivador isso, pensar como pegamos um dos povos mais bárbaros do planeta e em cem anos os transformamos num dos mais justos e equilibrados do planeta. Há uma aprendizagem muito forte, porque eles foram bárbaros enquanto estiveram sob o júbilo da Dinamarca. Foram tratados como espécie de animais de pescar. Não tinham o direito de se definirem. A partir de 1944, ano da independência, definem sua própria constituição e o modelo em que acreditam para a sociedade. E a atrocidade praticamente erradica-se. Hoje, os islandeses não tem memória de atos de violência. Neste ano, foi morto pela primeira vez um indivíduo a tiro. A mim roubaram uma vez um gorro. Mas era um alemão. Um turista. Estava menos 15 graus e não é possível pensar sem gorro. E o estúpido do alemão roubou meu gorro. Mas foi importante esse fato. Porque os alemães são maiores que os portugueses. Não sei o que me deu e corri atrás dele, berrando. Ele teve medo de mim. Também é verdade que na Islândia usamos aqueles casacos grandes, de pena. Ficamos todos uma bola, e é possível que ele tenha pensado que debaixo do casaco eu tinha músculos. Ele teve medo e devolveu meu gorro.

Percebi o recôndito e o agressivo da natureza. Por isso é que Deus, visto como a natureza, no meu livro, tem tanto uma dimensão de beleza profunda quanto de ameaça constante. Porque a Islândia é um território em mudança, geologicamente pueril. No compto da idade do mundo, a Islândia é muito jovem. Está toda em evolução. É o lugar mais sísmico do planeta. E tudo lá é possível de ser mudado. A última ilha apareceu há 40 anos. É imensa. Alguns dos vulcões mais agressivos da Islândia estão muito perto da população. Há um vulcão que entra em erupção de 800 em 800 anos, e já deveria ter entrado. Consta-se que deve deformar toda a parte sul do país. Qualquer dia pode ser que construa outra parte da Islândia, arrasando completamente e para sempre a capital Reykjavík. As pessoas lá vivem à espera disso. De uma pronúncia divina, absolutamente transcendente, que foge completamente à possibilidade de previsão e de segurança prévia. Basicamente, eles sabem que a Islândia vai ser outra coisa que não aquilo que é hoje. É um lugar que está em torno de fazer-se.

Pop

Quando meus livros saíram no Brasil, a imprensa elogiou, comentou muito. Mas uma coisa é a imprensa notar. Outra é o público minimamente saber quem eu sou. A Flip de 2011 fez isso. Esse fenômeno. Foi uma coisa estranhíssima. Nos dias seguintes, no Rio de Janeiro, era parado constantemente por pessoas que tinham visto minhas fotografias. Era estranho, gratificante e assustador porque ninguém tinha lido meus livros ainda. As pessoas gostaram de uma fala, de um encontro. Muitas mulheres começaram a querer casar comigo. Mas não era porque eu fosse um bom escritor porque não havia dado tempo de as pessoas lerem os livros. Recebi muitos convites para vir ao Brasil. Todas as semanas. Passei um ano recusando, porque queria muito que as pessoas lessem os livros. Se tiver de casar com uma mulher, ela precisa de ler os meus livros. Não vou aceitar casar com alguém que não leia o que escrevi. Nem que sofra lendo. É um sacrifício básico. Então precisava muito disso. Ficou essa graça. Hoje virou uma brincadeira. Houve uma moça muito engraçada no Twitter agora. Ela diz assim: ‘Sim, estarei com Valter Hugo Mãe no dia 7, em Curitiba. Se tudo correr como previsto, parirei em maio de 2015." (risos). Acho muito bonito dizer-se isso assim. Fiquei feliz. Isso tudo acontece. Nós em Portugal somos um bocado fechados às vezes. E as vezes gostamos muito de alguém ou alguma coisa, e ficamos a fazer média. Às vezes a oportunidade perfeita para dizer as coisas passa porque ficamos ali na demora. O brasileiro demora menos. Diz coisas. Na fila do autógrafo, meninos e meninas já gritaram coisas incríveis, estranhíssimas. Acho lindo. Gosto que as pessoas percam menos tempo. E corram atrás de forma mais explicita, garrida e genuína.

Ficção e realidade

Tento esperar, mas percebo sempre que o livro leva muito do que sou eu ou a minha vida. Porque quando a gente escreve, o texto às vezes é tão intenso que parecemos vir ao encontro do que somos. Como se estivesse a ser escrito para revelar coisas sobre nós. Para nos entendermos. E há duas possibilidades: ou somos covardes e escondemos tudo e procuramos disfarçar para que não estejamos denunciados no livro, ou então colocamos a literatura acima de todas as coisas e permitimos que nossa vida seja transformada em literatura, numa história dos outros também. Porque o livro depois é algo entregue. O livro tem uma tragédia. A gente não fica ao lado do leitor, chamando a atenção. Uma das coisas frustrantes no livro é que as vezes escrevemos alguma passagem importante e o leitor lê exatamente aquela passagem ouvindo a telenovela. Está preocupado com o Laerte, que morreu -- não sei qual era a novela, mas pensei que era o Laerte Coutinho que havia morrido... -- Não podemos estar lá, a dizer "Para agora, presta atenção, o livro todo é para trazer você até esta página. E você está aí, despachando, ouvindo alguma coisa, cozinhando". Aí dói. Sempre imagino os leitores em casa, sentados numa poltrona maravilhosa, com uma bebida, e lendo sem tirar os olhos dali, sem interrupções. Porque se imaginar os leitores como eu sou, aí é duro. Outra coisa: a intimidade de toda a gente é igual. Ficamos escondendo. Uma vez apareci numa fotografia nu. Não tenho nada que não seja comum ao resto da humanidade masculina. A gente guarda muito coisas que toda a gente tem. A intimidade tem que ser outra coisa.

Minúsculas

Vou dizer algo que nunca disse em público: estou escrevendo meus livros com maiúsculas para o povo não ficar enchendo o meu saco. Mas, deixarei escrito, antes de morrer, que mudarei tudo para minúsculo na hora H. Todas as minhas edições finais serão em minúsculas. O povo fica a dizer "ah, começo a ler e não sei onde parar. Onde acaba a frase." É no ponto final. Aquela bolinha bem pequena. Ela é pequena, mas sempre foi pequena. Não fui eu que inventei o ponto final tão pequeno. Pensei em pedir nos meus livros um ponto final maior, do tamanho da letra, umas bolas, mas aí parecia que estava a pendurar brincos na página. Mas vou fazer isso, sim. Quando for velho e não tiver de aturar ninguém, vou botar tudo em caixa baixa e não quero nem saber.

Processos

Não sou organizado. Sou escangalhado. Sou muito ansioso ao escrever. Por isso é que não consigo ficar sendo interrompido. Preciso escrever isolado. Quando quero escrever me torno até antipático. E deito muito fora algumas coisas. Livros vão para o lixo porque em determinado momento perdi a energia. Não consigo ser cerebral a ponto de salvar os livros de qualquer problema. Há problemas que matam o livro. É quando perco o interesse. Essa pressa é uma manifestação da urgência desse sentimento, de escrever um livro porque estou apaixonado por este livro, de fazer tudo no tempo da paixão. E a paixão às vezes é muito breve.

Brasil como tema

Antes de ir para a Islândia, me pus essa hipótese de escrever sobre o Brasil. Só que minha relação com o país ficou tão intensa, que ia correr o risco de transformar o livro numa resposta a essa intensidade. Ia ser uma espécie de agradecimento. Ia passar muito perto de alguma coisa falsa. Disse não. Preciso ficar um tempo para que esse livro sobre o Brasil apareça com a natureza com que deveria aparecer. Mas quero, e sei muito claramente o que quero: ir para um lugar pequeno onde não tenha quase nada e ver o Brasil a partir da sua microunidade. Porque o Brasil respira visões macro. Quero ver como o país é no seu átomo mais ínfimo. Como encontramos no mais recôndito do Brasil um indivíduo profundamente convicto de sua "brasileiridade". Acho isso belíssimo. Porque esse é o sonho de todas as grandes formações de povos. Fazer com que essa massa dispersa de gente de repente tenha um orgulho, mesmo mantendo suas diferenças. Isso é o mais admirável no Brasil. É a minha sina andar por lugares vazios. Vivo em cidades, mas não sei muito falar de cidades. É muito input, muita ideia. E muita ideia são muitos livros.

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