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O grupo independente formado por 29 bailarinos desfaz preconceitos por onde se apresenta e ganha aplausos entusiasmados de machões | Fotos: Antonio Costa/Gazeta do Povo
O grupo independente formado por 29 bailarinos desfaz preconceitos por onde se apresenta e ganha aplausos entusiasmados de machões| Foto: Fotos: Antonio Costa/Gazeta do Povo
  • Homens exigem formação acelerada

Lá pelas sete da noite, quando o Teatro Guaíra começa a se aquietar, eles vão chegando, um a um. São homens de 16 a 29 anos, ne­­gros, brancos, gordos ou ma­­gros, altos ou baixos, evangélicos, um­­ban­­distas, estudantes, garçons. Trocam a roupa de trabalho pela malha de dança, os tênis por sapatilhas, e dão início à última etapa de suas jornadas, desta vez, sem salário ou carteira assinada. Mas com inúmeros benefícios.

Eles são os 29 bailarinos da Companhia de Dança Masculina Jair Moraes, a primeira do Brasil formada exclusivamente por homens. Foi criada há sete anos por Moraes para incentivar uma maior participação do gênero na dança e, de quebra, revelar talentos que, sem oportunidade, provavelmente nunca seriam despontados. "São jovens de baixa renda, que vêm da periferia de Curitiba ou de municípios como União da Vitória, Francisco Beltrão e Lapa, pertencentes a famílias problemáticas. Mas é surpreendentemente nos lugares mais difíceis que se encontram mais talentos, ainda não entendi o porquê", indaga Mo­­raes.

Quando veio do Rio de Janeiro para dançar no Balé do Teatro Guaíra, em 1969, após vencer o preconceito da família, encabeçada pelo pai militar, os únicos homens no grupo eram ele e João Carlos Caramés. "Aqui em Cu­­ritiba não se formavam homens", conta Moraes. Ainda hoje, analisa, o ensino das escolas de dança é voltado para a esmagadora maioria de mulheres. "O rapaz começa a dançar mais tarde, com 14, 15 anos. Então, é preciso haver uma formação mais cuidadosa e acelerada", diz.

Também é preciso manter o cabo de vassoura sempre a postos, brinca Moraes, já que os homens são por natureza mais indisciplinados. "Nas viagens, eles perdem as sapatilhas, se atrapalham para cuidar do figurino", conta. E, por falar nisso, Moraes lembra que, no início, foi difícil fazer o grupo trocar o shorts pela malha de dança. Mas, passado o preconceito inicial, todos vestiram o tutu, aquela saia de tule das bailarinas, para encenar a peça Gis-Ele, uma ousada adaptação do clássico romântico Giselle.

Na obra original, as Willis são almas atormentadas de jovens assassinadas no dia de seus casamentos. De tutu branco com suspensório – o toque masculino –, os bailarinos da companhia mostram que homens também sofrem por amor. A peça, que faz parte do espetáculo Corpos, Ação, Movimento & Só, vem sendo apresentada desde 2009 em diversos municípios do Paraná, Santa Catarina, São Paulo e Minas Gerais, graças ao prêmio de Dança Klaus Vianna da Fundação Nacional das Artes (Funarte) ao grupo independente.

O figurino poderia incomodar a plateia masculina, principalmente no interior. Mas é bem o contrário o que se vê. "Quis inverter o gênero e mostrar homens, não afeminados, com passos virtuosos e olhar firme, e ainda assim dentro da delicadeza da linha romântica do espetáculo", diz o coreógrafo Leandro Vieira. Com essa atitude, os homens de saia são aplaudidos efusivamente pelos mais machões.

Hoje bailarino do Balé Guaíra, com formação na Escola de Balé da instituição e graduação em Dança na Faculdade de Ar­­tes do Paraná (FAP), Leandro, de 26 anos, participa do grupo desde o início. "Aqui a gente não só dança. Tem que fazer figurino, criar a coreografia, a luz, a sonoplastia, preparar o linóleo no palco. Isso é muito importante porque daqui há uns anos o corpinho não ajuda mais", diz.

Família

Se alguns bailarinos como Leandro são contratados por companhias de dança no Brasil e no exterior, outros descobrem caminhos novos e igualmente compensadores. É o caso de Emmanuel Fagundes, de 22 anos. "Quando ele entrou no grupo, há mais ou menos cinco anos, vindo da Lapa, era muito agressivo. Tive dificuldade de me aproximar dele. Hoje, faz faculdade de dança e realiza um trabalho corporal com cadeirantes", diz Moraes. Durante uma apresentação do grupo em sua cidade, Emmanuel emocionou o padrasto durão. "Ele chorou emocionado como se dissesse: ‘ nunca olhei direito para esse guri’", lembra Moraes.

O fundador do grupo enfrenta dificuldades para mantê-lo independente, já que, desde que foi criado, nunca recebeu apoio institucional. A sala de ensaio é em­­prestada pelo Guaíra, as sapatilhas foram doadas por bailarinos do Balé e, além disso, Moraes conta com "anjos", que é como chama profissionais voluntários que contribuem com o grupo de alguma forma.

"Em São Paulo, o grupo So­­ciedade Masculina, criado bem depois do nosso, recebe apoio da indústria Klabin e os bailarinos recebem bons salários", diz.

No início, ele diz que os bailarinos vinham ensaiar porque havia café e bananas. "Hoje, 90% deles está na faculdade", orgulha-se o professor, pai, amigo e conselheiro. "Nos ensaios, falamos de questões como sexo, drogas. O grupo não é formado por príncipes, é preciso formá-los para a vida como em uma família", conta o mestre, que se prepara para receber mais seis rapazes, um deles do Rio Grande do Norte. "Eles vêm tentar a vida, com uma mão na frente e outra atrás", diz, já pensando em modos de acolhê-los.

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