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Cena de O Almoço do Bebê, curta-metragem presente na primeira exibição do cinematógrafo | Reprodução
Cena de O Almoço do Bebê, curta-metragem presente na primeira exibição do cinematógrafo| Foto: Reprodução
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Quem se interessaria em assistir ao vídeo de uma saída de fábrica, ao desembarque de anônimos de um barco, à chegada de um trem, ao almoço de um bebê, a um jardineiro regando plantas, a um jogo de cartas regado a bebida ou a uma parede sendo demolida? Acontece que essas imagens aparentemente banais integraram a programação da primeira exibição pública do cinematógrafo dos irmãos Auguste e Louis Lumière, no dia 28 de dezembro de 1895, em Paris. São considerados, portanto, os primeiros filmes da história.

Mais que isso. A partir dessas imagens – mudas e com poucos segundos de duração –, é possível resgatar muitos aspectos da vida dos parisienses no fim do século 19: como se vestiam, em que trabalhavam, de que maneira se cumprimentavam, que transporte utilizavam, o que comiam, como cuidavam dos filhos, as características das construções e até o tipo de humor.

"Qualquer produção audiovisual traz dentro dela o retrato de um momento histórico, social, político, cultural e econômico", sintetiza a coordenadora da Cinemateca de Curitiba, Solange Stecz. "Um filminho ou uma foto que você faz em casa, na rua ou na faculdade, no futuro vai dizer muito sobre a nossa época."

"Quem registrou o meteorito na Rússia foram pessoas comuns, filmando coisas por acaso", lembra o cineasta Fernando Severo, diretor do MIS. "E eles captaram uma imagem de grande importância para a ciência. Com a passagem do tempo, o registro audiovisual ganha outra importância."

Essa consciência é o primeiro passo para a consolidação de uma cultura da preservação – tanto nas pessoas quanto nas empresas ou órgãos públicos. "No nosso caso, preservar não significa guardar o material numa sala qualquer; é preciso prospectar, saber que ele é importante, ter condições de armazenamento ideais, funcionários qualificados, dinheiro e equipamentos para fazer novas cópias e meios para garantir a difusão desse acervo", enumera Solange.

No que diz respeito à produção de registros audiovisuais, ela defende que a preservação comece já na realização: "Se um realizador tem a consciência da importância desse processo, ele vai começar a se preocupar com isso já no projeto. Vai prever o valor de uma cópia extra (aproximadamente R$ 6 mil para filmes em 35mm) no orçamento, por exemplo", explica a coordenadora. "Mas isso não está na cultura dos produtores."

O que se reflete também no ensino. "Essa preocupação é muito recente no Brasil. Só há uns dois ou três anos foi incluída uma disciplina de preservação no curso de Cinema da Universidade Federal Fluminense", revela Solange. "Aqui no Paraná, foi a Salete Sirino, presidente da Associação de Cinema e Vídeo do Paraná (Avec/PR), quem criou uma disciplina de preservação no curso de Especialização em Produção da Faculdade de Artes do Paraná (FAP). E a Tuiuti oferece alguma coisa no curso de Gestão de Patrimônio. São ações incipientes, mas já é um começo."

Mesmo na política cultural nacional as iniciativas ainda são tímidas, segundo a coordenadora da Cinemateca. "Apenas no ano passado foi formalizada a Associação Brasileira de Preservação Audiovisual (ABPA), que tem como presidente o Hernani Heffner, diretor de conservação da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. A propósito, uma entidade que tem problemas sérios de armazenamento", observa. "Em resumo: a cultura da preservação ainda está engatinhando no país."

Amnésia televisiva

A preservação do material produzido no dia a dia das emissoras de televisão exige a adoção de práticas específicas e que fogem da atividade principal dessas empresas. É preciso adotar sistemas de indexação, adaptar espaços para o arquivamento e fazer a conversão de materiais antigos para novos formatos e suportes – que estão sempre mudando. Nas quatro maiores retransmissoras de tevê aberta do Paraná, a questão da memória começa a ser levada em conta agora.

O Centro de Documentação (Cedoc) da RPC TV, por exemplo, tem mais de 15 mil horas de imagens a serem digitalizadas. E esse nem é o maior problema, de acordo com a coordenadora estadual do Cedoc, Silmara Azevedo: "O maior problema está na linguagem documentária", destaca. "Nossa empresa guardou muito material desde 1980, quando começou a ser feito o arquivo, mas em boa parte desse acervo é quase impossível achar qualquer coisa."

Segundo ela, havia uma preocupação parcial: guardava-se a fita, que indexada com informações muito sintéticas. "Numa fita sobre o carnaval, por exemplo, você pode encontrar a inscrição ‘pessoas dançando’. Mas quem estava dançando? Poderia haver uma personalidade política ou artística no meio, e isso era omitido."

Silmara, que está no Cedoc da RPC desde 2009 – e resolveu cursar Gestão da Informação na UFPR para aprimorar seus conhecimentos na área – compara um arquivo de televisão a uma biblioteca: "As fitas, DVDs ou qualquer outro suporte de imagem são como livros, que precisam ser catalogados com todas aquelas técnicas de biblioteconomia empregadas para que você consiga encontrar um volume na prateleira", destaca. "São conteúdos que precisam ser acessados rapidamente, por uma determinada quantidade de palavras-chave. Essa preocupação, com exceção do Cedoc da Rede Globo, o meio televisão não teve."

A transposição do acervo para mídias mais recentes é outro complicador: "O Cedoc tem fitas u-matic [formato analógico de gravação] que não conseguimos digitalizar, porque não temos mais os equipamentos necessários, e quem tem cobra os olhos da cara", diz a coordenadora, que alerta: "Existe a possibilidade de perdermos esse acervo".

Na afiliada da TV Bandei-rantes em Curitiba, muita coisa também foi extraviada. "O nosso arquivo não tem o tamanho que deveria ter para uma empresa com 30 anos de história", admite a chefe de redação da Band Curitiba, Karin Sampaio. "Uma parte dele se perdeu e ninguém sabe como."

Também há problemas de armazenamento: "A sala precisa de uma reforma", opina Karin. "Se o material continuar ali, vai embolorar".

Hoje a Band Curitiba arquiva tudo o que vai ao ar, e também já iniciou o processo de digitalização do acervo. "Mas é um trabalho quase infinito, porque tem muitas fitas em suportes diferentes e ainda precisamos armazenar o material atual. E só temos uma pessoa no arquivo", explica a chefe de redação.

Na RIC – afiliada da Record no Paraná e em Santa Catarina –, a digitalização do arquivo também já começou, mas ainda há um longo caminho a percorrer. "Muito do material antigo foi perdido em incêndios, má conservação, falta de catalogação, incompetência ou pressa", pondera José Nascimento, diretor de conteúdo da RIC. "Em cada mudança de tecnologia, quem foi pioneiro acabou pagando um preço: muita coisa ficou para trás em outras plataformas."

Na Rede Massa, afiliada do SBT no Paraná, ninguém falou sobre o assunto, mas há informações de que todo o arquivo de 2007 para trás não seria mais de posse da emissora. Parte foi doada ao Museu da Imagem e do Som, parte teria se perdido e o restante teria sido simplesmente descartado. O material doado ao MIS pelo menos serviu de matéria-prima para um interessante documentário, produzido pelo cineasta Yanko Del Pino, com um nome bem sugestivo: No Lixo do Canal 4.

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