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A cientista carioca Leila Oda, pesquisadora titular da Fundação Oswaldo Cruz, está há sete anos à frente da Associação Nacional de Biossegurança (Ambio), instituição voltada para estudos de biossegurança e que agremia quatro mil cientistas brasileiros. Sua presença como observadora na MOP3 se faz notar não só pela capacidade de discursar ou pelo tailleur alaranjado, contrastando com a sobriedade nada biodiversa do ambiente. A novidade é que Leila faz parte de um grupo até pouco tempo quase invisível nas conferências de biossegurança, o dos pesquisadores comuns, que dão duro para conseguir financiamento e levar adiante seus estudos.

Infelizmente, segundo ela, há um ano as dificuldades, que já eram muitas, viraram um oceano. Com as indefinições em torno do Protocolo de Cartagena, os investimentos caíram abaixo de zero. Para ela, tem gente falando do que não entende. "É como ter um problema no carro e chamar o dentista para consertar." Confira trechos da conversa.

A senhora está participando da COP3 como cientista observadora. Ouviu muita besteira até agora?O tempo todo (risos). Mas como cientistas temos de assumir nossa parcela de culpa pelo que ainda não foi compreendido pela sociedade. Estamos aqui para mudar isso.

Para onde caminham as discussões da MOP3?O que ficou dito é que se vai adotar o "contém" para organismos geneticamente modificados (OGMs) em que possa ser feita a segregação [identificação das sementes]. A próxima etapa é de transição. Nossa esperança é de que nos próximos quatro anos todo nosso histórico de mais de uma década exportando OVMs ajude a tornar mais sensata essa discussão.

Muitos dos seus colegas afirmam que o Protocolo de Cartagena perdeu o rumo. Concorda com eles?Existe um grande desconhecimento sobre as diversas etapas que envolvem o transporte de um OGM. O objetivo do protocolo é fazer com que não haja riscos para o meio ambiente e para a saúde no movimento de exportação e importação. Mas em vez de tratar disso, fala-se de rotulagem, de pesquisas nos laboratórios… O importante é que cada país tenha legislação própria, como é a nossa. Não se trata de parar navios para fazer testes na carga.

O que a senhora recomendaria para esclarecer as dúvidas?O artigo 18A do Protocolo de Cartagena, que trata dos OGMs que vão ser usados como alimento e ou ração e que não vão ser liberados para o meio ambiente. A identificação está garantida. Para haver comércio internacional de soja, milho, algodão, canola tem de haver segurança do produto. Quando o barco chega ninguém vai dizer: "O que tem aí dentro?" Existe uma etapa anterior que dura cerca de seis meses. É uma conversa entre o importador e o exportador. Se o relatório satisfaz, a carga sai do porto. Ignorar isso é desconhecer o processo.

A rotina dos pesquisadores foi afetada por esse debate? Muito. À medida em que surgem barreiras para os produtos derivados, a ciência padece. Fomos represados nessa confusão. Os financiadores não querem investir em projetos cujo produto não vai ser viabilizado. A ciência sai perdendo, sempre. Tanto que somente agora os cientistas se mobilizaram. Estão aqui na MOP3 pesquisadores do arroz dourado, da vacina contra febre aftosa, da mandioca transgênica da África. Se não tomarmos parte, não vamos ter recursos para pesquisas.

Qual o tamanho do prejuízo?O debate em torno do "contém" e "pode conter" está custando em torno de duas a dez vezes o preço de um novo OGM. A gente não tem dinheiro para desenvolver projetos, que dirá se virar no meio dessa loucurada. Na Ambio temos um gráfico de pesquisas biotecnológicas públicas no Brasil. Eram em média 800 ensaios de campo, número reduzido praticamente a zero. O pior de tudo isso é que os países em desenvolvimento tendem a ficar nas mãos das multinacionais. As grandes instituições vão continuar pesquisando, pois têm capital de risco. Já a África e o Brasil não gozam da mesma sorte.

A sociedade brasileira ainda vai olhar com tranqüilidade para o transgênico?É um novo paradigma. E um paradigma irreversível. Houve muitos avanços importantes. Basta pensar na farmacologia ou na diminuição no uso de agrotóxicos. Não tem como dizer: "Vamos esquecer esse assunto".

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