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A cena é do filme Shakespeare Apaixonado, roteirizado pelo dramaturgo britânico Tom Stoppard e vencedor do Oscar de melhor filme em 1998. O genial escritor inglês entra em um quarto e vê sua amante em plena atividade sexual com outro homem. Ele estava escrevendo sobre ela. "Eu poderia ter tornado você imortal", diz. E é verdade. Shakespeare poderia transformar em personagem antológico qualquer ser humano vivente. No filme, a moça ganha um novo amante e cai na vida para sair da história. Seu nome, se é que ela existiu de fato, quase ninguém deve conhecer.

Há quem tenha tido mais sorte. É o caso da atriz Eleonor Bruno. Em 1950, estreava no palco do Teatro Phoenix, no Rio de Janeiro, a peça que iria garantir que o seu nome não fosse esquecido por muito tempo. Dorotéia, de Nelson Rodrigues, foi escrita especialmente para ela. Nonoca, como era chamada pelos amigos, era a amante do escritor na época. Romance proibido, já que Nelson Rodrigues tinha mulher e lar consituído.

O caso dos dois começou, segundo O Anjo Pornográfico (biografia do dramaturgo escrita por Ruy Castro), quando Eleonor foi acompanhar sua filha de apenas 13 anos ao teatro. A menina, de nome Nicete, estava estreando em uma peça. Nelson apaixonou-se por Nonoca e, em algum tempo, tinha conseguido convencê-la a freqüentar sua garçonnière. A história durou até que a mulher do escritor, Elza, descobrisse tudo.

Do romance dos dois restou a peça, na época muito criticada e hoje considerada um dos melhores textos do dramaturgo. E restou também a correspondência entre os amantes. Cartas e bilhetes trocados por Nelson e Nonoca, que acabaram inspirando uma peça de teatro. A responsável pela montagem é a atriz Beth Goulart, neta de Nonoca e filha de Nicete Bruno e Paulo Goulart.

A peça, intitulada Dorotéia Minha, que estréia hoje em Curitiba, foi escrita por Beth e dirigida pela própria atriz, em parceria com o argentino Victor Garcia Peralta. O monólogo fala da relação entre os dois amantes e inclui uma terceira parte na história: Dorotéia, personagem criada por Nelson para ser interpretada por Nonoca. "A raiz desse trabalho nasceu de uma história verdadeira de amor, que aconteceu com a minha avó e o Nelson. Um amor profundo e arrebatador", diz a artista.

Beth Goulart conta que tomou contato maior com a história do amor proibido da avó há cerca de 15 anos. Estava na casa de sua mãe procurando textos. Achou um livrinho estranho, de capa verde, e abriu. Quando percebeu, estava diante de um original de Nelson Rodrigues. Não entendeu nada, até que sua irmã contou toda a história. A idéia de montar a peça veio na hora. Mas não deu certo, por dificuldades com a liberação dos direitos autorais. "A segunda tentativa, anos depois, também não funcionou, por causa de patrocínio", conta.

"Pensei que, se fosse para um dia eu estar na peça, daria certo", lembra. Só quando Beth foi convidada para participar de uma seleção de espetáculos, a chance apareceu. "O curador percebeu que eu dizia o texto de Dorotéa antes das atrizes. Contei a ele a história e nasceu a idéia de fazer uma performance sobre o tema." Depois da performance, feita com autorização da avó, morta no ano passado, surgiu a peça.

A montagem estreou em 2002, no Rio de Janeiro, e tem viajado pelo Brasil. Em Curitiba, chega para três apresentações no Guairinha, como parte da programação do Circuito Cultural Banco do Brasil. As viagens são facilitadas pelo pouco material envolvido no projeto. Além da atriz e de uma pequena equipe, entram no avião apenas alguns objetos de cena: uma lanterna, um jarro, velas e pouco mais do que isso. É um espetáculo intimista, sem grandes aparatos ou megaproduções.

Serviço: Dorotéia Minha. Guairinha (R. XV de Novembro, s/n.º), (41) 3315-0979. Texto de Beth Goulart. Direção de Beth Goulart e Victor Garcia Peralta. Dias 8, 9 e 10, às 21h. R$15 e R$7,50 (estudantes, idosos e clientes do Banco do Brasil)

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