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Não deve ser coincidência o fato de que as tiranias políticas, em especial as do século 20, usaram o jovem como figura máxima de sua representação e ação política. A frase do "jovem como agente de transformação da sociedade" ou qualquer uma de suas derivações tornou-se um bordão ideológico para qualquer situação. "Com quem faremos a revolução? Com os jovens. São estúpidos e entusiastas", dizia um dos personagens do escritor argentino Roberto Arlt.

Não há, talvez, adjetivos melhores para definir os universitários do caso UniBan, do que "estúpidos e entusiastas". Lembremos o ocorrido. Meninos e meninas, estudantes de uma universidade particular do grande ABC em São Paulo – uma região com in­dicadores sociais muito melhores do que a média nacional, segundo o Fórum Nacional de Segurança Pú­­blica, divulgado na semana que passou – ameaçam uma aluna, que é obrigada a se trancar no banheiro. Sai es­­coltada por policiais militares, sob promessas de estupro e linchamento. O motivo: ela estaria de coxas de fo­­ra e teria rebolado.

O humor popular conseguiu, com maestria, rotular o episódio: a universidade vi­­rou a "Unitaleban", em uma referência aos radicais islâmicos e sua pouca flexibilidade para com o sexo feminino. A inteligência acadêmica foi pelo outro lado. O caso Geyse seria um reflexo da própria cultura ocidental e capitalista – esta que permite as moças andarem de minissaia. Se­­guindo o raciocínio, não demorou para o que os agressores de Geyse fossem catalogados como conservadores. Seriam eles exemplares de um neoconservadorismo tu­­piniquim, uma derivação mais suave dos carecas do ABC, por exemplo.

A tese é tão simplista quanto errada e revela a confusão que ainda se faz entre conservadores, liberais, libertários e afins. O conservadorismo ocidental foi construído, sem mistérios, sobre três pilares básicos: a moral judaico-cristã, o direito romano e a filosofia grega. Quando se fala em conservador , fala-se no indivíduo que pretende manter essa ordem, manter os acertos e direitos, construídos longa e penosamente ao longo dos tempos. A tese está definida pelo pensador Edmund Bur­­ke, expoente do pensamento conservador, em seu ataque à Revolução Francesa. Em nome do novo mundo, além de se cortarem as cabeças, as próprias palavras deveriam mudar. Para o bom revolucionário, as próprias estações do ano estão carregadas de reacionarismo. Inverno, portanto, será agora chamado de "maçaneta".

Os agressores de Geyse são tudo, menos conservadores no sentido clássico. A humanidade fez muita besteira na construção daquilo que se chama sociedade. Há alguns séculos, a Igreja queimava sim as bruxas. Hoje, o cristão mais enfezado olharia as pernas de Geyse e, no máximo, se benzeria.

É o tal do respeito à liberdade individual e da inviolabilidade do corpo.

Houve, por outro lado, quem associasse o ataque ao liberalismo e ao capitalismo. Estudantes da Universidade de Brasília protestaram contra a agressão à Geyse (veja foto na página 2). Uma moça de seios de fora ti­­nha, pintada no corpo, a frase: "Abaixo a repressão neoliberal e capitalista."

Não custa lembrar que para o bem ou para o mal, o mercado capitalista estava de mãos dadas com a revolução sexual que permitiu às mulheres queimarem sutiãs e andarem de seios de fora. Em relação ao liberalismo, parece não haver muito o que se dizer.

O liberalismo, por mais estranho que possa parecer, extremou certos valores conservadores num pensamento: o indivíduo não pode ter sua liberdade tolhida em nome da moral coletiva e da sua representação estatal. A sociedade e sua representação organizada, o Estado, só pode repreender o indivíduo quando ele coloca em risco a liberdade do outro. Para o verdadeiro liberal, não se pode criminalizar condutas em nome de um suposto bem-comum.

A reação estúpida dos estudantes da UniBan nada tem a ver com conservadores ou liberais, portanto. São apenas jovens estúpidos. Toda a questão é uma boa hipótese para entender o processo de explosão do ensino universitário no Brasil. A universidade tornou-se um ponto de passagem para uma multidão oriunda da classe média em busca de uma melhor colocação no mercado de trabalho. A chancela "universitário" virou símbolo de nobreza para uma juventude das periferias. Demonstrações culturais não faltam. De onde surgiu o pagode universitário? O sertanejo universitário? Ora, ambas são produções culturais populares. Como, portanto, se distinguir dos seus pares e vizinhos. Coloca-se o universitário tudo se resolve.

* Guilherme Voitch é jornalista da editoria Vida & Cidadania da Gazeta do Povo.

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