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O time da Sérvia e Montenegro foi o último colocado na Copa do Mundo da Alemanha, encerrada no último dia 9 de julho. Também foi a seleção que tomou a maior goleada, um 6 a 0 da Argentina. Pior: era uma equipe que representava dois países recém-formados. Montenegro e Sérvia haviam se separado pacificamente semanas antes que a Copa começasse. Além de usar um uniforme de uma nação que não existe, os jogadores deveriam cantar um hino herdado do que foi um dia a Iugoslávia, a junção de seis estados eslavos abaixo de um único regime comunista. Como um elefante branco, o hino ecoava nos estádios sem que ninguém, nem os jogadores, nem os torcedores, o cantassem. Talvez a crise de identidade, mais que qualquer outra coisa, tenha enterrado o time.

O livro Rádio Guerrilha – Rock e Resistência em Belgrado, do jornalista inglês Matthew Collin, lançado este mês pela editora Barracuda, é uma raras publicações em português destinadas a tratar da crise psicológica e moral decorrente do isolamento político e econômico da Sérvia, e que levou, em última instância, à perda de identidade.

O livro narra os acontecimentos transcorridos na capital sérvia, Belgrado, no decorrer da década de 90. O ponto de vista é da geração perdida, dos jovens ingênuos que ambicionavam um futuro "normal" quando, em questão de meses, uma guerra assolou o país trazendo aquilo que Colin define "uma década de escuridão", em alusão à Idade Média.

Ao contrário do horror mais aparente e urgente, das vítimas imediatas das matanças dos conflitos armados, os moradores de Belgrado foram sufocados por um regime nacionalista que herdava os piores vícios do comunismo de um lado, e do outro, pelas sanções econômicas e culturais impostas pelo ocidente. O país era uma ilha, que não importava ou exportava, nem sequer participava de eventos esportivos ou culturais no exterior, como Olimpíadas ou Copas do Mundo. Era quase impossível viajar (os aeroportos estavam fechados) ou obter vistos para países que não fossem do estreito eixo de "amigos" (China, Bielorrússia, Cuba, Iraque). O efeito diplomático foi o oposto do pretendido porque justificava o discurso nacionalista de Slobodan Milosevic, que demonizava o mundo como o grande inimigo da Sérvia.

Uma geração de sérvios tornou-se refém da insegurança, da incerteza sobre o futuro e da gradativa perda de liberdades e padrões de vida. A questão pesou mais para os jovens. Foi justamente uma rádio universitária a primeira voz organizada de contestação à política de Milosevic. A B92, que hoje é uma grande rede de comunicação regional (pode ser acessada pela internet no endereço www.B92.net), passou por uma história conturbada para se transformar em sinônimo de luta libertária. O livro de Collin é a história da emissora e da geração que ela representa. É uma leitura parcial e engajada do passado, que nem sempre se procupa em ser objetiva ou justa, e que representa um valioso registro do passado recente de Belgrado e do regime brutal que ali imperava.

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