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Rio de Janeiro – Cineasta dos mais festejados da nova geração, pela marcante estréia em longas-metragem com Madame Satã, o cearense Karim Aïnouz apresenta hoje seu novo trabalho, O Céu de Suely, para o público do Festival do Rio 2006.

O filme conta a história de Hermina (Hermina Guedes), moça do interior nordestino que volta à sua cidade natal depois de viver por um tempo em São Paulo. Ela chega com o filho pequeno e aguarda o jovem marido, que acaba não regressando. Hermina não tem mais motivos para viver na cidade e elabora uma maneira de conseguir dinheiro para novamente migrar: adota o nome Suely e rifa a si mesma para os homens da região.

O Céu de Suely – que passou recentemente nos festivais de Veneza e Toronto – se alinha à proposta de um cinema mais intimista apresentada em Cidade Baixa (de Sérgio Machado) e Cinema, Aspirinas e Urubus (de Marcelo Gomes), dois dos principais filmes brasileiros do ano passado, que têm Aïnouz como co-roterista.

Para o cineasta, o paralelo com o filme de Gomes (candidato brasileiro a uma indicação ao Oscar 2007) é que ambas as histórias representam o desejo que muitas pessoas têm de mudar de vida e para isso se transferem do lugar onde vivem. "É uma coisa clássica do Nordeste e de qualquer lugar que exporta imigrantes, esse pensamento que o outro lugar é melhor, que o outro lado do muro é mais verde. A diferença é que em O Céu de Suely, o personagem central é feminino. Nunca ninguém fala da mulher do Nordeste, que não pode ir embora porque tem que ficar com os filhos, cuidar da casa. Queria imaginar como seria isso", conta.

Plácido e com uma história simples, O Céu de Suely vai na direção contrária de Madame Satã, uma fita mais agitada e urgente. "Um filme é sempre um testemunho do que se está vivendo no momento. Demorei sete anos para fazer Madame Satã, estava como que sentindo uma falta de ar, precisava colocar aquilo para fora. Nesse novo trabalho, queria fazer sobre algo que me emocionasse muito, sobre gente que eu gostasse, que tivesse suas delicadezas", comenta, lembrando que queria passar essas mesmas sensações ao espectador. "Não acredito nessa coisa de apenas contar uma história. Fazer um filme é criar um universo que surpreenda o espectador, para que ele descubra junto com o personagem o que é a vida", continua.

Para concretizar esse desejo, Aïnouz decidiu por um processo de total imersão na realização da produção. Diretor, atores e equipe técnica mudaram-se para Iguatu, cidade do interior do Ceará escolhida como cenário do filme, e por lá permaneceram por quatro meses, interagindo com os moradores, ensaiando e realizando as filmagens. "Fazer cinema tem uma coisa de colaboração, coletividade, experiência em comum. Então, a minha grande fantasia, além das questões artísticas, era ter uma equipe que estaria vivendo uma experiência conjunta em um mesmo lugar", explica o diretor.

Segundo ele, a intenção era de observar e filmar o que era visto na cidade, sem necessidade de se encenar as coisas. Os habitantes de Iguatu iriam se habituando à equipe do filme, que passaria a fazer parte de seu cotidiano – nesse processo, Karim decidiu que os personagens teriam os mesmos nomes dos atores que os interpretam. Uma outra perspectiva era fazer com que o olhar do visitante se acostumasse com aquele espaço, para que tudo não fosse uma grande novidade quando se filmasse a história.

"Não é um registro neo-realista, e também não é barroco, mas é algo novo, da vida comum. Sinto falta no cinema, no teatro e na televisão de uma coisa que o cinema argentino faz muito bem, de filmar a experiência da vida de cada um, de poder compartilhar da experiência do outro durante duas horas, não apenas observar ou se identificar", afirma Karim. O cineasta diz que queria fazer um filme que, a priori, não soubesse exatamente o que iria ser. "Tanto que o batizei apenas quando ficou pronto. Esse processo todo é como na pintura, quando você vai descobrindo aos poucos a tela, na medida em que vai fazendo o trabalho. Isso é uma coisa que o cinema perdeu hoje em dia, algo que a Novelle Vague tinha. Na década de 60, havia o desejo de cada pessoa ter uma voz diferente, de fazer um filme que tivesse uma identidade própria, que só seria descoberta depois, quando ele fosse visto pelo público. Havia o desejo de fazer o cinema como ato de descoberta, não apenas como execução", conclui.

O Céu de Suely, realizado com recursos da Lei do Audiovisual e fundos da França, Alemanha e Portugal, tem previsão de lançamento comercial no dia 17 de novembro e será distribuído pela VideoFilmes em um número pequeno de cópias (de seis a oito), inicialmente.

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