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Chamado de “espírito livre”, Sebastian Uul gasta com comida e estadia o que ganha tocando nas ruas | Stig Jarnes/Divulgação
Chamado de “espírito livre”, Sebastian Uul gasta com comida e estadia o que ganha tocando nas ruas| Foto: Stig Jarnes/Divulgação

Show

Mr. Orkester e Watch Out for the Hounds - Wonka Bar (R. Trajano Reis, 326), (41) 3026-6272. Dia 10, às 21 horas. R$ 10.

Opinião

A casualidade da entrevista

Três semanas depois de ter deixado Curitiba e ter suas apresentações gravadas e compartilhadas exaustivamente nas redes sociais, Sebastian Uul, o homem-banda norueguês com bigodes longos e loiros, voltou à cidade, doente. Era uma quinta-feira à noite de fevereiro quando ele passava em frente ao bonde da XV de Novembro, sozinho, com as mãos no bolso e o pescoço encolhido. Tinha acabado de tomar alguns comprimidos de paracetamol para aplacar a sinusite – o nome da doença ele demorou alguns dias para descobrir, enquanto a dor e o frio faziam seu nariz sangrar havia uma semana. De pronto, anotou a palavra em seu caderninho com o tubo de uma caneta esferográfica que ele guarda no meio das páginas entre desenhos, anotações esparsas, notas de dinheiro amassadas e o meu número de telefone.

Desde o dia em que topei com Sebastian na esquina das ruas XV e Monsenhor Celso, no final de janeiro, trocamos e-mails e ele disse que me daria uma entrevista. Foi embora sem avisar e voltou da mesma maneira. Ter esbarrado com ele foi muita coincidência e o único motivo para que ele me ligasse no outro dia. "Nunca digo não a um pedido feito na rua", confessou. Durante uma hora da sexta-feira, sentei nas escadarias da UFPR, na Praça Santos Andrade, e conversamos.

As mais de 40 mil visualizações em quinze dias de um vídeo gravado por "um cara esperto com um celular estúpido" não vão mais deixar Sebastian passar incógnito pelo centro de Curitiba. Não fosse isso, seria o bigode. Para mantê-lo impecavelmente no lugar, ele não faz nada além de dar uma boa enrolada nas pontas vez ou outra. Para o cabelo, ele carrega metade de um pente de plástico quebrado no bolso. Penteia para trás, com cuidado para não enroscar em um toco de dread lock pendurado na têmpora esquerda. Um Asterix moderno.

Apesar de dizer que prefere o anonimato, sua figura pequena e magra chama a atenção por outros motivos além da música. Seus trejeitos são todos teatrais: a gesticulação ampla para complementar seus relatos, as onomatopeias que interrompem frases, a cara de louco que faz para a câmera. Sua loucura pode ser um traço de vaidade.

A única formalidade que o norueguês Sebastian Uul se permite é fazer uma mesura, levantando o chapéu rapidamente, ao cumprimentar alguém. Endereço fixo, telefone ou horários marcados, nem pensar. Há cinco anos viajando "só por uma parte do mundo", como gosta de frisar, o homem-banda Mr. Orkester passou por Curitiba em janeiro e fez do calçadão da Rua XV de Novembro seu palco por uma semana. Postaram um vídeo de sua apresentação no YouTube e ele virou uma espécie de viral. Depois de se apresentar em São Paulo, ter um ataque de sinusite no Uruguai, voltar para Curitiba, se recuperar e passear mais um pouco pela América do Sul, ele volta à cidade para se apresentar amanhã, no Bar Wonka (veja o serviço completo do show no Guia Gazeta do Povo).

VÍDEO: Assista a uma performance de Mr. Orkester

Ele não dirá a sua idade, qual sua cidade de origem ou o próximo destino. Sebastian é o que costumam chamar de "espírito livre": suas regras, ritmo e vontades ditam seu estilo de vida. Nas ruas, aprendeu a falar inglês, espanhol, portunhol e alemão e que, tanto na Europa quanto na América, as pessoas sofrem de mau humor às segundas-feiras e não dão moedas. Diz ter deixado sua carroça – sim, uma carroça, com rodas de madeira e calefação, "como as dos ciganos" – estacionada em alguma rua de Oslo, capital da Noruega, e que nunca teve um emprego convencional. Com o cachê de um show na Noruega, começou a viagem. Gasta com comida e estadia o que ganha tocando nas ruas. Geralmente, o repertório é composto por três a cinco músicas e ele não define quantos shows fará por dia. Quando está doente, por exemplo, nem tira a palheta do bolso. Ter ficado famoso – ainda que na internet – não era um plano.

Destino

Sua performance tem ares de clown: a voz passa de rouca para aguda no mesmo verso, sem intervalo entre uma música e outra e ele toca simultaneamente pelo menos três instrumentos. Lá por 2008, descobriu "o instrumento mais fácil do mundo", ao qual dá o mérito de chamar tanta atenção. O kazoo é um instrumento de sopro com uma membrana vibratória. É o que faz aquele barulho esquisito que os Beatles usam em "Lovely Rita". Sebastian acredita que ele seja mais do que um chamariz para moedas: a palavra faz um trocadilho perfeito para "kazooalidade", outra coisa que o "encanta".

Saiu carregando bumbo e violão pela Europa porque desistiu da faculdade de Filosofia. "Eu queria saber como era ter fome. Nunca sabia [sic] como era ter que dormir fora. E essas coisas. E pensava: se não ‘faço nenhuma moeda’, não me importo."

Seu português escorrega no pretérito perfeito sem querer, talvez porque sua viagem ainda esteja no início e ele não considere que a aventura tenha um fim. A decisão do percurso ele deixa para as casualidades. Uma única regra o guia: sempre dizer sim aos convites feitos na rua, mesmo que ele não saiba o que o aguarda depois. É sua maneira de estar disponível para a serendipidade e chegar aonde quer, um lugar que nem ele sabe onde fica.

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