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Pelo olhar de Drummond, o futebol se recria e se confirma como paixão nacional | Arquivo
Pelo olhar de Drummond, o futebol se recria e se confirma como paixão nacional| Foto: Arquivo

Lançamento

Quando É Dia de Futebol

Carlos Drummond de Andrade. Companhia das Letras. 197 págs. R$35. Crônicas e poemas. GGGGG

"Bulhões a Campos, fagueiro: – Enfim domada a inflação! Valorizou-se o Cruzeiro E muito mais o Tostão."

Drummond, sobre Tostão, em texto de 1966.

  • Tostão, craque do Cruzeiro, foi

"O difícil, o extraordinário, não é fazer mil gols, como Pelé. É fazer um gol como Pelé!". Esta talvez seja a frase mais famosa do poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) sobre futebol. O esporte era uma de suas grandes paixões, algo que sua sóbria figura de funcionário público e intelectual de gabinete talvez não faça suspeitar.

Pois Drummond escreveu muito sobre futebol. Sobre o jogo em si e tudo o que lhe cerca: a arte dos craques, a religiosidade do torcedor, a manifestação popular, a metáfora perfeita da realidade brasileira.

E escreveu muito bem. Como disse o jornalista Juca Kfoury no posfácio especial para o relançamento de Quando É Dia de Futebol "o duro não é escrever dezenas de livros como Drummond e sim escrever uma frase como ele".

No livro estão reunidas dezenas de crônicas publicadas nos jornais cariocas Correio da Manhã e Jornal do Brasil. Há também muitos poemas sobre a bola e seus artistas – Pelé e Garrincha são personagens centrais – espalhados por sua obra e correspondências com amigos e leitores. Os textos vão do lírico ao meditativo; da crônica de costumes à análise política.

Nove Mundiais

O período em que os textos foram reunidos compreende nove Copas do Mundo (de 1954 a 1986). Curioso observar como o poeta foi um torcedor comum que se deixou crispar pela glória e tragédias que envolveram a seleção nesse tempo.

Em 1958, a seleção foi do ceticismo à euforia desmedida e viu, de forma brilhante, a redenção do homem e do caráter nacional na vitória na Suécia. "O futebol trouxe ao proletário urbano e rural a chave ao autoconhecimento, habilitando-o a uma ascensão a que o simples trabalho não dera ensejo", escreveu.

Em 1962, ficou tão orgulhoso do bicampeonato que numa crônica sugeriu jogadores e comissão técnica para as 14 pastas do ministério da época – o capitão Mauro seria o ministro da Defesa, Nilton Santos o da Justiça...). Em 1966, o tri era barbada. Mas o poeta quebrou a cara como toda a torcida brasileira.

Seus textos sobre as grandes derrotas, aliás, principalmente a da seleção de Zico e Sócrates em 1982, são os pontos altos do livro. Drummond humaniza os craques, não perde a chance de falar sobre a urgência das mudanças políticas na república e ensina: "Perder é uma forma de aprender. Vencer, de se esquecer o que se aprendeu."

Com sua delicadeza proverbial, Drummond sabe escrever sobre fatos e pessoas – como a novidade das propagandas nas camisas e o wit de Dadá Maravilha.

Mas, principalmente sobre a poesia do jogo em si. Numa crônica, fala da angústia de cavalheiros em volta de um rádio durante um jogo da seleção mineira. Noutra, narra a história de um garoto que adorava futebol de botão e, para montar seus times, assaltava o guarda roupa do avô, pobre velhinho preso a uma cadeira de rodas. No dia em que o avô morreu, a família atônita não lhe podia abotoar o paletó.

Em uma das mais inspiradas, como para demonstrar a dimensão que o futebol tinha em sua vida, faz um pastiche da Odisseia de Homero para narrar um Brasil e México:

"...Djalma, de aladas plantas, rompe entre os adversários atônitos, e conduz sua presa até o solerte Julinho, que a transfere ao valoroso Didi, e este por sua vez a comunica ao belicoso Pinga...".

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