• Carregando...

Joyce Carol Oates é uma das mulheres mais influentes das letras americanas. Com a morte de sua contemporânea Susan Sontag (1933 – 2004), passou a exercer de modo quase solitário o papel de mulher em um meio onde homens predominam. Ela também inspira novas gerações e parece ter um olho ótimo para descobrir talentos – pode ser considerada "madrinha" de Jonathan Safran Foer (Extremamente Alto & Incrivelmente Perto), seu orientado na Universidade de Princeton, onde leciona desde 1978.

Prolífica, em quatro décadas Joyce produziu 45 romances, sete novelas, centenas (talvez milhares) de contos que renderam 29 antologias, oito peças teatrais, 11 livros de ensaio (sem contar inúmeros veiculados em jornais e revistas), oito livros de poesia e até sete títulos dedicados a crianças e adolescentes.

Dessa bibliografia impressionante, o Brasil não conhece nem um décimo. Na verdade, hoje é difícil encontrar mais que meia dúzia de livros seus traduzidos no país. Dois deles acabaram de ser lançados em um daqueles acasos típicos do mercado editorial brasileiro – demora anos para sair qualquer coisa de um determinado autor, mas, de uma hora para outra, duas editoras distintas, sem saber uma das intenções da outra, publicam obras quase simultaneamente.

A Falta Que Você Me Faz (Tradução de Vera Ribeiro. Nova Fronteira, 432 págs., R$ 47) e As Cataratas (Tradução de Luiz Antonio Aguiar. Globo, 488 págs., R$ 48) colocam em português quase mil páginas de Joyce Carol Oates. O primeiro foi escrito em 2005. O segundo, em 2004. Depois deles, já saiu outro somente nos EUA, Black Girl/White Girl.

Em uma entrevista para a The Paris Review, feita em 1976, a primeira questão fala da acusação de "produzir demais". Joyce não disfarça o constrangimento. "Eu realmente não sei o que dizer", responde. Ela acredita que a reclamação dos críticos só existe porque eles se sentem obrigados a ler tudo o que um autor produz antes de fazer a análise de um determinado livro.

A explicação para sua produtividade parece ser o fato de não se preocupar em produzir obras-primas toda vez em que senta para escrever – sempre à mão – um novo livro. Ela publica sabendo que um autor "precisa escrever muitos livros a fim de fazer uns poucos que permaneçam". Dessa forma, ela trabalha tanto que precisa de três editoras para colocar suas crias em circulação – uma para a prosa, outra para a poesia e a terceira responde pelos textos mais experimentais.

"Cada livro é um mundo dentro de si mesmo e precisa ser independente. Não deveria fazer diferença se um livro é o primeiro de um escritor, o décimo ou o qüinquagésimo", argumenta. Sim, pode-se ler uma obra sem se preocupar com o que o autor fez antes ou depois, mas conhecer um pouco de sua bibliografia ajuda a fazer leituras mais profundas (em oposição às superficiais).

A prosa de Joyce é, com freqüência, considerada violenta. Se serve de exemplo, A Falta Que Você Me Faz começa com o assassinato de uma mãe para se desdobrar nos efeitos da perda sobre as duas filhas: a solteira e auto-suficiente Nikki Eaton e a dona de casa Clare – ela própria mãe de dois filhos. "É a última vez que a gente vê alguém, e não sabe que será a última. E tudo que sabemos agora, ah, se soubéssemos naquele dia! Mas não sabíamos, e agora é tarde demais. E a gente se pergunta: Como é que eu podia saber, eu não podia saber. É o que dizemos a nós mesmos. Esta é a história da saudade que sinto de mamãe. Um dia, de um modo singularmente seu, será também a sua história", escreve Joyce nas primeiras linhas do romance, inspirada na perda recente de sua mãe.

A morte que abre As Cataratas é a de um jovem pastor de 27 anos chamado Gilbert Erskine. Recém-casado, ele e a esposa, Ariah, passam a lua-de-mel em Niagara Falls, cidade com um dos cartões-postais mais conhecidos dos EUA, as Cataratas do Niágara, no estado de Nova Iorque, divisa com o Canadá.

No dia seguinte ao casamento, em 1950, Gilbert acorda e deixa a suíte nupcial do Grande Hotel Rainbow sem acordar a mulher. Caminha até à queda d’água, sobe na amurada e, antes que o vigia possa alcançá-lo, lança-se ao rio e se deixa levar até a catarata de 800 metros de altura. Equipes de resgate levam dias para encontrar seu corpo.

O suicídio de Gilbert funciona como o evento inaugural na nova vida de Ariah. A tragédia que a tira da letargia. Filha de um reverendo presbiteriano, aceitou se casar por conveniência e por se achar "velha", ao menos para os padrões dos anos 50, porque tinha apenas 29 anos. Transformada em viúva com um dia de casamento, sente-se amaldiçoada até conhecer e se apaixonar pelo advogado Dirk Burnaby.

Tanto em As Cataratas quanto em A Falta que Você Me Faz, a comentada violência dos livros de Joyce Carol Oates aparece como um detonador. Cansada de responder a pergunta insistente de leitores, ela escreveu para o jornal The New York Times, em 1981, o texto "Por Que Sua Escrita É Tão Violenta?".

Contrariada, ela rebate a "norma cultural" que aponta a "felicidade" como regra. "Se é comumente entendido que escritores sérios, ao contrário daqueles que escrevem por entretenimento ou dos propagandistas, têm como tema natural a complexidade do mundo, suas maldades e também suas bondades, (perguntar a razão da violência na escrita) é sempre uma questão insultante, e é sempre sexista", dispara.

Segundo ela, nunca se perguntou a Fiodor Dostoievski (Crime e Castigo) por que sua literatura era violenta. Nem para William Faulkner (O Som e a Fúria) ou ainda para Henry Melville (Moby Dick).

Casada com um editor, Joyce completa 70 anos em 2008. A foto que ilustra esta página, tirada por Marion Ettlinger em meados dos anos 80, tornou-se a imagem mais conhecida da escritora (então com 40 e tantos anos). O retrato lembra o de uma atriz do cinema mudo – Louise Brooks, talvez – e tem pouco a ver com a figura "não-posada" de Joyce, a de uma intelectual que costuma usar óculos de lentes enormes cobrindo boa parte de seu rosto.

No começo de sua carreira, ela assinava apenas J. C. Oates, disposta a tirar do caminho o preconceito do leitor e do meio intelectual americano pelo fato de ser mulher. Ela trata do assunto em um ensaio de 1982. A palavra inglesa que define aquele que escreve é writer para homens e para mulheres. Ela questiona a postura dos que insistem em usar a classificação woman writer – sutileza difícil de se reproduzir em português, pois "escritora mulher" é um pleonasmo –, quando bastaria dizer writer.

Essa discussão reflete uma outra, muito comum, sobre uma suposta "visão feminina" na literatura quando esta é feita por mulheres. Parece um equívoco porque não se costuma falar em uma "ponto de vista masculino" na ficção.

O que existe é a chamada literatura "mulherzinha", de autoras como Marion Keyes e Danielle Steel, e Joyce Carol Oates não tem nada a ver com ela.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]