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Viggo Mortensen e Vicente Amorim no set de Um Homem Bom: visão solar | Divulgação
Viggo Mortensen e Vicente Amorim no set de Um Homem Bom: visão solar| Foto: Divulgação

Rio de Janeiro - Como ator, Viggo Mortensen diz que sua prerrogativa é dizer não a determinados projetos que lhe oferecem. É a sua maneira, ou possibilidade, de ser "co-autor" dos filmes que aceita fazer. Mas ele admite que essa liberdade de escolha só se tornou possível depois do sucesso da série O Senhor dos Anéis, de Peter Jackson, na qual interpretou o rei, Aragorn. Você poderia pensar, por isso, que Mortensen fosse deslumbrado com a saga adaptada do livro famoso de JRR Tolkien. Mortensen não cospe no prato em que comeu, mas seu entusiasmo é comedido: "A versão estendida do primeiro filme é a melhor e mais próxima do espírito de Tolkien", avalia.

Mortensen poderia, quem sabe, ter feito uma carreira de galã, ou como astro de aventuras. Escolheu o caminho mais árduo. Depois de dois grandes filmes de David Cronenberg –Marcas da Violência e Senhores do Crime –, Mortensen trabalha agora em outro longa que talvez agrade mais à crítica do que ao público, por sua voltagem política.

Um Homem Bom (Good) foi o filme que ele escolheu fazer. "Acho que traz uma discussão muito interessante, e muito contemporânea, sobre a questão da responsabilidade. O personagem é este homem que vai fazendo suas escolhas durante o nazismo e, de repente, elas são terríveis e possuem conseqüências graves. Fiquei perturbado ao ler o roteiro, porque algumas daquelas escolhas são as que eu próprio, provavelmente, faria."

Viggo Mortensen esteve no Rio de Janeiro esta semana para a sessão de gala de Um Homem Bom, que ocorreu ontem à noite, no Cine Odeon BR. O filme adaptado da peça de C.P. Taylor já foi apresentado com sucesso no Festival de Toronto. É uma co-produção anglo-alemã dirigida pelo brasileiro Vicente Amorim. A pedido de Mortensen, ambos dão a entrevista juntos.

Como o diretor de O Caminho das Nuvens foi parar à frente de um projeto grande desses? "Um Homem Bom era o filme que a produtora Miriam Segal queria fazer há 20 anos, mas só há sete ela conseguiu comprar os direitos da peça. Inicialmente, seria feito por outro diretor, e com outro ator, mas Miriam parou tudo, convencida de que precisava de um outro olhar. Ela se convenceu de que um latino-americano seria a melhor escolha. Procurou, e como gostou de O Caminho das Nuvens, me contratou."

Pode ser que você pense que Amorim embarcou nesse projeto seduzido pela promessa de iniciar uma carreira internacional, como outros grandes diretores brasileiros, tipo Fernando Meirelles e Walter Salles. Amorim vai logo cortando o pensamento: "Aceitei fazer o filme porque foi uma história que quis contar." Veio dele a escolha de Viggo Mortensen para o papel. A participação do ator em Marcas da Violência foi decisiva para isso.

Um Homem Bom conta a história de um professor universitário, John Halder, na Alemanha nazista. Bom professor, bom marido e bom filho, John vive um inferno familiar, com uma mulher que não o satisfaz e uma mãe enferma, de quem vira enfermeiro. John Halder escreve um livro sobre a eutanásia que interessa ao próprio Hitler. Cooptado pelo regime, ele desfruta de suas benesses – e casa-se de novo, com outra mulher que estimula sua ascensão no regime –, mas John toma brutalmente consciência de seus atos quando seu outrora melhor amigo, um psiquiatra judeu, é perseguido e enviado a um campo de concentração. Jason Isaacs, de O Patriota, é quem interpreta o papel, além de ser co-produtor.

Um pouco à maneira do francês Claude Miller, que também esteve no Rio mostrando Un Secret, Vicente Amorim conta sua história "sombria" de uma maneira solar. Nada de ambientes escuros, para ressaltar o horror do nazismo. Há muito sol, as pessoas vão à praia, passeiam e a narrativa é lenta, quase plácida, fugindo às cenas de impacto. Tudo isso torna mais terrível a experiência de John Halder e a descoberta que ele faz na última cena. Amorim queria que ela fosse a última a ser filmada, mas, por razões de produção, ela foi rodada no penúltimo dia.

O diretor optou por uma plano-seqüência que dura em torno de cinco minutos. Não foi a possibilidade de exibir seu domínio técnico que o seduziu. "Queria que o espectador e o ator fossem descobrindo o horror conjuntamente, que não se desligassem um do outro. Nada de cortes. A fluidez me era necessária." "Ensaiamos um dia inteiro e depois a cena foi filmada no dia seguinte", lembra Mortensen. "Filmamos quantas vezes? Umas dez? (NR – ele pergunta para o diretor). Mas eu tenho a impressão de que a primeira já estava boa e que tínhamos conseguido tocar a medida certa."

Uma cena dessas, em plano contínuo, é melhor para o ator do que, por exemplo, a cena da luta na sauna de Senhores do Crime? "Aquela cena, acredite, também foi rodada em one shot (uma tomada). David (o diretor Cronenberg) me advertiu de que, se fizéssemos assim, eu provavelmente me machucaria, mas seria melhor para o clima que ele pretendia alcançar. Depois, filmamos todos os planos de detalhes para inserir na montagem. Ou seja, não foi muito diferente e, para o ator, uma cena filmada dessa maneira é melhor, ainda mais como fecho da construção de um personagem, como no filme de Vicente.

O mais curioso é que Mortensen havia visto a peça no palco, em Londres, no começo dos anos 1980, quando foi representada por John Howard. Ele mal podia imaginar que quase 30 anos depois o papel lhe seria oferecido no cinema. "Essas questões da conivência e da responsabilidade têm tudo a ver com o mundo em que vivemos." Mortensen nasceu em Nova Iorque, mas foi criado na Argentina. Ele opta por fazer a entrevista em espanhol – que fala bem – e estimula o repórter a falar português com o diretor, dizendo que consegue entender tudo. E Mortensen não dispensa a cuia com mate. Ele nunca quis fazer um filme argentino? "Já me ofereceram alguns papéis que eu teria aceitado, mas sempre estava ligado a outros compromissos e tinha de dizer não. "Quem sabe, no futuro...?" A possibilidade fica aberta.

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