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Cannes exibe 5X Favela, Agora por Nós Mesmos, nova versão de clássico do Cinema Novo, sob direção de cineastas que vivem em comunidades cariocas | Divulgação
Cannes exibe 5X Favela, Agora por Nós Mesmos, nova versão de clássico do Cinema Novo, sob direção de cineastas que vivem em comunidades cariocas| Foto: Divulgação
  • Cacá Diegues prepara-se para dirigir a versão para o cinema de O Grande Circo Místico

Entrevista com Cacá Diegues, cineasta e produtor.

Cannes - Carlos Diegues completa 70 anos na próxima quarta-feira (19). Um dia antes, apresenta em sessão especial no 63.º Festival de Cannes a nova versão de 5X Favela, filme que lançou Cacá, Leon Hirszman, Joaquim Pedro de Andrade, Miguel Borges e Marcos Farias em 1961 e foi um dos inauguradores do cinema novo. Cacá e Renata Magalhães são os produtores de 5X Favela, Agora por Nós Mesmos. A nova produção teve cinco episódios dirigidos por cineastas que vivem em comunidades cariocas – diferentemente do original, em que os universitários de classe média subiram o morro para contar cinco histórias.

"Fonte de Renda", de Manaíra Carneiro e Wagner Novais, fala de um rapaz tentado a virar traficante quando enfrenta dificuldades de pagar as despesas com livros e transporte para a faculdade de Direito. Em "Arroz com Feijão", de Rodrigo Felha e Cacau Amaral, um menino procura um jeito de comprar um frango para agradar ao pai, que se diz cansado de comer só arroz com feijão. Em "Concerto para Violino", de Luciano Vidigal, três amigos de infância que juraram amizade eterna enfrentam na vida adulta o fato de estarem de lados opostos: um virou traficante, o outro, policial, e Márcia, o terceiro vértice, ainda busca seu sonho de ser violinista. Em "Deixa Voar", de Cadu Barcellos, um menino se arrisca a recuperar a pipa de um amigo no território de uma facção rival. Já "Acende a Luz", de Luciana Bezerra, trata do sequestro de um funcionário da companhia de eletricidade, depois que falta luz no morro na véspera do Natal.

A exibição do filme não é a única tarefa do veterano cineasta em Cannes. O diretor, que se prepara para rodar neste ano sua tão sonhada versão de O Grande Circo Místico, também é integrante do júri da competição de curtas-metragens – da qual participa a brasileira Márcia Faria, com "Estação" – e do Cinéfondation, dedicado a filmes no mesmo formato, feitos dentro de universidades – a brasileira Janaína Marques Ribeiro participa com Los Minutos, Las Horas, feito na Escuela Internacional de Cine y Televisión, em Cuba. Diegues falou com exclusividade à Gazeta do Povo:

Como surgiu a ideia de fazer uma nova versão de 5 X Favela, agora dirigido por diretores que moram nas comunidades?

Venho dando aulas e palestras em comunidades cariocas, convidados por ONGs locais, desde o início da década de 1990. Assim, vi uma geração crescer fazendo filmes em MiniDVs e celular, até me dar conta de que eles poderiam fazer um filme dentro da economia formal do cinema brasileiro. Foi isso que fizemos com esse 5X Favela, Agora por Nós Mesmos.

Como se deu seu contato com esses cineastas vindos de comunidades?

Como conhecia alguns desses jovens cineastas moradores de favelas, imaginei que havia outros que eu ainda não conhecia. Abrimos inscrições para o projeto ao alcance de todos e tivemos, nas oficinas técnicas preparatórias, mais de 600 inscritos. Desses, depois de longas oficinas, selecionamos as mais de 90 de pessoas que fizeram o filme.

Como foram escolhidos os cineastas que fariam os episódios?

Segundo seu currículo e o aproveitamento nas oficinas. O resto da equipe foi selecionado por esses mesmos diretores em harmonia com os professores das oficinas.

E as histórias, como foram de­­senvolvidas?

Eles tiveram toda a liberdade para fazer as histórias que bem entendessem. Todos os participantes das oficinas podiam apresentar histórias que eram votadas pelos outros, até que uma fosse escolhida pela maioria. As cinco histórias selecionadas foram desenvolvidas coletivamente pelos participantes das oficinas.

Foi difícil financiar o filme?

Muito. Nem mesmo as agências governamentais, como a Pe­­tro­­bras, acreditavam num filme dirigido e totalmente feito por cineastas favelados. Só conseguimos realizá-lo graças ao apoio de Eike Batista, da RioFilme e da Glo­­bofilmes.

O que mudou em relação àquele Brasil que vocês retrataram?

Já se passaram quase 50 anos, o mundo não é mais o mesmo, assim como o Brasil e o cinema. Tudo mudou, apesar do abismo social ainda ser o mesmo.

Os cineastas conheciam o 5X Favela original?

Pedi que não vissem o filme original, para não se deixarem influenciar por alguma coisa clássica porém superada pelo tempo. Acho que, depois de terminado o longa, muitos deles mataram a curiosidade vendo o filme.

Acredita numa democratização da produção? Não é preciso mais ser de classe média para ser cineasta?

As novas tecnologias de captação e difusão do audiovisual estão provocando a democratização da produção, que não tem mais como ser reprimida. Mas é preciso que essa produção saia do gueto e passe também pela economia formal do cinema brasileiro, um trem que para em todas as estações disponíveis. Foi esse o papel de 5X Favela, Agora por Nós Mesmos.

Qual a expectativa para essa sessão especial em Cannes?

O filme foi selecionado pelos responsáveis pelo festival e espero que seja recebido por jornalistas e público com o mesmo entusiasmo deles.

E o que espera de seu trabalho como júri da Cinéfondation e da competição de curtas?

Estou excitado com essa oportunidade, pois terei a chance de ver o que está sendo feito pelos jovens cineastas do mundo inteiro. Teoricamente, estarei assistindo ao nascimento do cinema do futuro.

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