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Diana Klinger constrói um panorama afetivo dos significados da escrita | Divulgação/Rocco
Diana Klinger constrói um panorama afetivo dos significados da escrita| Foto: Divulgação/Rocco

Livro

Literatura e Ética – da Forma para a Força

Diana Klinger. Rocco, 224 págs. R$ 34,50. Teoria Literária.

Sob a epígrafe existencialista "CUIDADO ao cão que morde dentro", presente em "O Aleijão", do poeta e crítico literário gaúcho Eduardo Sterzi, Literatura e Ética – da Forma para a Força se compõe para iniciar uma perseguição densa e inusual: discutir o panorama literário geral a partir de afetos e amores interiores.

Há, na fornada intelectual de Diana Klinger, professora de teoria da literatura da Universidade Federal Fluminense, citações de diversas correntes de pensamento, como Julio Cortázar, Walter Benjamin, Gilles Deleuze, Theodor Adorno e Bashô – a bibliografia chega a quase 70 autores. E o que mais impressiona: de uma forma translúcida, precisa nas costuras e, em certos momentos, até emocionante, como em trecho de "Primeira carta: um campo de forças", em que ela relembra uma anedota do etnólogo James Prichard sobre a morte de um homem em uma aldeia na África, após uma forte chuva que derrubou sua cabana.

"O chefe da tribo faz um ritual de bruxaria para descobrir, junto aos deuses, por que isso teria acontecido. O antropólogo, um pouco constrangido com a situação, tenta ‘explicar’ para os nativos o que teria acontecido: ‘Simplesmente, os pilares da cabana estavam velhos, a madeira apodrecera com as chuvas e por isso a cabana desabou.’ O chefe da tribo olha para o antropólogo arregalando os olhos, impactado. Escuta a explicação até o final e responde: ‘Professor, o que o senhor está explicando é evidente, isso aí todo mundo sabe... o que nós queremos saber é por que isso aconteceu naquele momento, quando aquele homem, e não outro, estava precisamente dormindo dentro.’"

A história é essencial em um livro mais preocupado em carinhosamente oferecer pistas do que provas. "Se te escrevo essa carta, Lu, é porque a minha ‘pesquisa’ (não gosto dessa palavra) se tornou inseparável da amizade, dos diálogos cotidianos (e não só dos diálogos acadêmicos que fazem parte de qualquer pesquisa), das conversas que tive e tenho com você e, também a distância, com tantos outros amigos."

Olhos abertos

Quarto livro da Entre­­críticas, espaço fundamental que a Editora Rocco vem construindo para pensar a escrita e suas conexões, Literatura e Ética é, sem dúvida, o melhor apanhado teórico da série, quando a literatura surge como uma porta para ressignificar a perda, o medo, a identidade, o desejo e a impermanência da vida.

"É esse o movimento da literatura: sair, retornar. Sair da casa, da linguagem, da estrutura, da comunidade, do conforto, do lar. Sair, retornar e fazer desvios. Desertar. Pensava nisso, Lu, quando chegou às minhas mãos Conversa com Leões, de Leonardo Marona."

Ao emular Roberto Bolaño, que dizia ser a literatura algo assim como manter abertos os olhos durante a queda, Klinger traz uma visão melancólica e lírica da vida acadêmica e do ofício do escritor, e supõe que a maior parte do que escrevemos é sempre uma tentativa (falha) de lidar com a dor ou almejar alguma felicidade – a cabana frágil que somos, prestes a se desconstruir diante das chuvas de dentro.

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