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Um dos prazeres de Santiago Nazarian é conquistar o público que quase não lê. "Meu leitor ideal é aquele que chega para mim e diz: ‘Não gosto muito de ler, não tenho costume, mas adorei seu livro’", diz o escritor. Da capa às ilustrações internas feitas por Marco Túlio Reis, dos temas aos personagens, Mastigando Humanos (Nova Fronteira, 224 págs., R$ 24,90) parece ter sido pensado para esse "não-leitor ideal". Tudo no livro é lúdico e extraordinário.

A narrativa fala sobre a crise existencial de um jacaré adolescente (!), vivendo no esgoto de uma cidade grande sem nome. Aliando fábula e romance de formação, o autor cria o que chama de "romance psicodélico". Embora a opção por escolher um animal (ou vários) como personagem lembre A Revolução dos Bichos, de George Orwell, ou Timbuktu, de Paul Auster (protagonizado por um cão), Nazarian conta que suas referências foram mesmo o Butantã e o Pantanal.

"Eu fui um adolescente fascinado por répteis, cobras, jacarés, sempre lia e pesquisava sobre o assunto. Então acho que quando resolvi escrever sobre a adolescência, sobre os ritos de passagem, acabei puxando os répteis", explica.

Nesse sentido, a escolha do jacaré foi "natural". Mas por que não um outro réptil qualquer? Um lagarto, por exemplo? "Eu só poderia dar uma resposta exata para você analisando psicanaliticamente. Mas talvez a identificação com o jacaré tenha mais a ver com a forma como eu vejo a adolescência – a minha adolescência. Essa etapa meio desengonçada, com um enorme apetite, junto a uma enorme impotência, uma certa timidez. Não são assim os jacarés?"

Nazarian quis aproveitar o fato de ainda ser jovem – nasceu em 1977 – para falar sobre as crises implicadas na puberdade, enquanto ela "ainda está fresca na minha memória". "Posso trabalhá-la de uma forma menos nostálgica, mais integrado a ela. Sinto-me maduro o suficiente para tratar da adolescência com um certo sarcasmo, mas ainda consigo senti-la em meus dedos... Isso não significa que eu não possa trabalhar novamente este tema quando estiver mais velho, de uma outra maneira."

Elogiado por ser um escritor que foge de narrativas triviais, Nazarian diz que a idéia básica para o livro veio dessa disposição em evitar convenções, sobretudo em relação a sua própria obra. Procurou não fazer citações, afastar-se de referências populares, evitar narrativas soturnas e violentas. "Literatura não é diversão" era uma das idéias que defendia.

De forma paradoxal, mesmo lançando mão do humor – talvez a maior diferença em relação ao livros anteriores – e do absurdo de personagens inusitados, algumas características se mostraram recorrentes. Sobre a opção por ambientar a história no subterrâneo: "Eu sou um daqueles ‘jovens alternativos’, não é? Não que eu seja marginalizado, não que eu tenha nascido num gueto. É exatamente isso o que o jacaré fala ao abrir o livro. É uma escolha. Seus interesses estéticos, sexuais, afetivos, lisérgicos, acabam atraindo para o underground, que hoje em dia está mais do que institucionalizado, mas ainda é uma alternativa".

Nazarian nasceu em uma família de classe média e admite que poderia viver na Vila Olímpia, bairro "burguesinho" de São Paulo. "Mas moro na ‘baixa Augusta’, no meio dos puteiros, boates, traficantes. Não me sinto exatamente confortável nesse meio, mas também não me sinto no meio ‘burguês’. A diferença é que o underground aceita diferenças, apenas isso. E, para a mauriçada, não é preciso muito para ser transgressor. Basta eu dizer, por exemplo, que nunca tive um telefone celular."

As referências também se mostraram inevitáveis e, em Mastigando Humanos, elas passam por Kafka, Thomas Mann, Godzilla e Mickey Mouse. Há quem diga que esse tipo de citação acaba poluindo e limitando a narrativa. "Por isso mesmo eu quis colocar. Se há três anos me dissessem que eu escreveria um livro com o Godzilla como personagem, eu diria que era besteira. Mas minha intenção foi desafiar essas minhas pólices, rigores, que são também um pouco as da literatura brasileira em geral. Afinal, como ‘jovem escritor’, eu tenho obrigação de romper com paradigmas. Comecei vencendo meus próprios."

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