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Murong Xuecun faz um retrato cáustico da classe média chinesa | Divulgação
Murong Xuecun faz um retrato cáustico da classe média chinesa| Foto: Divulgação

Romance

Deixe-me em Paz

Murong Xuecun. Tradução de Karla Lima. Geração Editorial, 320 págs., R$ 44,90.

Era 2002 e Murong Xuecun estava fechando os primórdios da internet. Seu romance de estreia, Leave Me Alone, censurado pelo governo chinês, viralizava na Europa e América do Norte e sua voz ecoava como síntese de uma geração sem destino. Pronto: tínhamos o novo fenômeno cult da literatura mundial, considerado, antes mesmo de ser publicado em livro, como o novo Mo Yan, Nobel de Literatura de 2012.

E, sim, apesar das hipérboles e descomedimentos, Murong, pseudônimo do jornalista Hao Qun, faz jus ao mise-en-scène. Retrato cáustico da classe média chinesa, Deixe-me em Paz é uma profusão de desvios morais, vazios existenciais e inaptidão para abarcar a vida e suas exigências. Em comum: as agonias de amor, o sexo como esquiva à solidão e o endeusamento do sucesso financeiro.

Exilados

A história gira em torno de Chen Zhong e Zhao Yue, casal que se conheceu nos tempos de faculdade e passa por uma severa crise conjugal. Zhong é um gerente de vendas em sérios problemas com: a) bebida; b) mulheres; c) dinheiro e d) jogatina. Sempre disposto a métodos pouco ortodoxos para sustentar seus vícios, ele é cercado de amigos igualmente duvidosos de caráter. Ao fundo, um painel da China atual.

"A noite de Chengdu era tranquila e suave. [...] Um cenário muito viçoso, mas eu sabia que por trás do esplendor a cidade lentamente desmoronava. Ondas de luxúria e ganância surgiam de cada esquina e passavam borbulhando pelas ruas, deixando atrás de si um odor quente, como um torrente de mijo que corroía cada pedra e cada alma. Tal como o poeta Li Liang dissera: ‘Na noite passada Deus morreu/ No céu rastejam cobras e larvas’".

Liang é um niilista decrépito: "Pode acreditar. A vida é uma peça que Deus nos prega", reflexo triste da canção desconhecida de uma pista de dança de Chengdu: "Às duas da manhã, acorde-me/ Conte-me o que sonhou/ Não há notícia sobre gente indo para o paraíso/ Nem sobre o que deixaram para trás".

Poeira

Chen é um narrador denso e ambíguo, um estereótipo perfeito do playboy e, mais, expressamente cônscio de sua condição. Entretanto, seu amor paralisante pela mulher em diversos momentos emociona e desconcerta.

Bem, se a literatura tem apenas uma única função, a de contar boas histórias, podemos especular, através de Deixe-me em Paz, que ela também pode auxiliar em nossa necessidade imanente de enfrentar a solidão – além de confundir as certezas adquiridas, algo expresso até no nome do jornal universitário criado por Chen e sua trupe: Talvez.

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