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Você provavelmente nunca ouviu falar de Luís Bueno. Talvez venha ouvir a falar bem pouco dele no futuro. Apesar disso, é bom você saber que ele é um dos responsáveis por tornar a bolinha que marca Curitiba no mapa da cultura brasileira um pouquinho maior. Com um trabalho de formiguinha, ele vem transformando a Editora da UFPR em um novo pólo de produção cultural da cidade desde que assumiu a sua direção, em 2002. A cada ano, saem de lá cerca de 20 livros novos. O mais importante, porém, é que os livros com a marca da UFPR têm sido cada vez melhores.

Neste ano, por exemplo, a UFPR se tornou a primeira editora brasileira a publicar na íntegra o clássico Diário do Beagle, de Charles Darwin. Na coleção de literatura brasileira, tem ajudado a tirar do esquecimento obras de autores importantes como Jorge de Lima e Lúcio Cardoso. A editora também criou recentemente uma coleção de literatura estrangeira, que já conta com volumes de Schiller e Villiers de L’Isle-Adam e vai ganhar vários outros títulos ainda neste ano.

Além disso, a editora continua sendo uma chance única para que os cientistas e teóricos locais publiquem suas obras. Da Geologia à Comunicação, passando por Letras e Administração, os textos continuam a ser selecionados para publicação.

Enquanto isso, Luís vai cuidando também de seu próprio livro, que deverá ser publicado ainda neste ano por uma editora paulista. Baseado na tese de doutorado defendida na Unicamp, o trabalho é uma verdadeira odisséia pelo romance brasileiro. Segundo o professor, sempre se diz que a literatura brasileira dos anos 30, feita por gente como Jorge Amado, Graciliano Ramos e Erico Verissimo, era regionalista. Para saner se o rótulo colava, ele decidiu fazer o caminho mais correto, embora mais longo. Leu todos os romances publicados na década de 1930 que ainda estão disponíveis por aí. Foram mais de 120. A conclusão é de que o regionalismo foi uma moda passageira e que a década deu ao Brasil muito mais do que isso.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida pelo professor ao Caderno G.

Caderno G – Qual foi seu primeiro plano para a editora quando assumiu sua direção, em 2002?

Luís Bueno – O salto que eu imaginava que a gente precisava dar era sair de uma circulação mais restrita, mais local, para um cenário mais nacional. Nós já tínhamos obras com alcance muito grande, inclusive na área didática. Sem contar as Normas da ABNT, que é o produto mais conhecido da UFPR no Brasil todo. Existem várias editoras que publicam aquelas normas. Mas o nosso conjunto é tão didático, tão bem estruturado, que eu acho que é o mais difundido mesmo. Eu costumo brincar que é mais conhecido do que os transplantes de medula. Literalmente, as pessoas querem comprar aquilo no Rio Grande do Sul, em Rondônia. Mas a idéia era que nós perdêssemos qualquer provincianismo. Qualquer editora universitária é um pouco provinciana. Até porque é um dos poucos canais para que os autores locais publiquem textos sobre as cidades ou estudos feitos na região. Quando eu cheguei aqui, éramos um pouco mais provincianos do que as grandes editoras universitárias. Mas muito menos do que a grande maioria. Então decidimos fazer coisas que não fazíamos. Começar a traduzir sistematicamente e retomar a coleção de clássicos, por exemplo. Buscar um pouco de repercussão. Porque me parece que a editora é um dos melhores lugares para fazer uma conversa entre a universidade e quem está fora dela. A quem interessa um livro do Jorge de Lima ou do Lúcio Cardoso? A qualquer pessoa. A nossa idéia era um pouco essa: sair um pouco da passividade, de publicar apenas o que os autores nos traziam. Começamos a propor a publicação de obras importantes e que outras editoras não estavam fazendo.

Quais foram as primeiras propostas?

O primeiro projeto foi um piloto com um livrinho sobre o Graciliano Ramos, que é um clássico do assunto que estava fora de catálogo, de um escritor mineiro chamado Rui Mourão. Aí vieram projetos maiores, como o Depois de Babel, do Steiner, e o Darwin. Ao mesmo tempo, reativamos uma coleção de literatura brasileira, que tinha apenas um volume, Triste Fim de Policarpo Quaresma. Só que a gente mudou um pouco o perfil. Queremos publicar livros significativos que estão fora de catálogo. Publicamos o teatro completo do Lúcio Cardoso, por exemplo. Só duas das oito peças tinham sido publicadas. Um romance do Jorge de Lima. A obra completa de romance da Lúcia Miguel Pereira, que é mais conhecida como crítica. E começamos a série de literatura estrangeira, que já tem Intriga e Amor, do Schiller, e Axël, do Villiers de L’Isle-Adam. E tem várias novidades para breve. Tem um livro do Theodor Storm, por exemplo, que vai ser muito interessante. O professor Mauricio Mendonça Cardozo, aqui da UFPR, fez duas traduções diferentes da mesma novela. Uma é tradicional, a outra é uma recriação no Nordeste brasileiro. Vamos publicar em dois volumes que serão vendidos em uma única caixa.

E o orçamento é suficiente?

Temos um orçamento fixo, mas todos os anos temos tido verbas suplementares. No ano passado, recebemos R$ 120 mil e, neste ano, R$ 50 mil. Porque não tem como fazer as coisas acontecerem se a Reitoria não bancar. Isso compensa o nosso problema que é a falta das Normas, que vendem cerca de 150 mil exemplares por ano. Há três anos que elas estão em revisão, porque estavam muito defasadas. Elas representam até 70% das vendas da editora. Mas ainda neste ano devemos publicá-las novamente, já com as devidas atualizações.

Quais são os principais problemas da editora hoje?

O principal problema é a distribuição. Mesmo aqui em Curitiba não é fácil achar nossos livros. Mas agora estamos conseguindo mais espaço na imprensa, com os novos lançamentos. E se você sai na mídia, o livreiro quer ter o livro.

Você fez um panorama completo do romance brasileiro nos anos 30, que está para ser publicado. Leu todos os romances dessa década?

Todos, não. Mas o trabalho era mapear os autores, não só os mais conhecidos, mas os menores também. A idéia é que o romance de 30 ainda está muito preso à idéia do regionalismo, como se só tivesse havido isso. Eu peguei literalmente de 1930 a 1939, recuando um pouco mais com alguns livros precursores. Com a leitura do Cyro dos Anjos, do Cornélio Pena, do Dyonélio Machado, você vê que tinha uma outra coisa acontecendo também. Existia uma dinâmica. O regionalismo é uma moda meio rápida, que dura entre 1930 e 1936. A partir daí, é o romance introspectivo que ganha força. O regionalismo continua existindo, claro. Mas é como se aquela geração tivesse esgotado um veio e precisasse parar para pensar um pouco.

Você diz que essa é a geração que criou o romance brasileiro. Por que, se antes já exisiam grandes romancistas, como Machado de Assis, Aluísio Azevedo e Lima Barreto?

Sistematicamente, não há antes do romance de 30 um conjunto de escritores produzindo, desligados de uma escola, muito ligada ao próprio país e com uma geração volumosa. E tinha o pacote completo: escritores, público e críticos. Era um bom negócio publicar romances no Brasil em 1930. As vendas eram muito maiores do que nas gerações anteriores. O debate literário, sem qualquer exagero, era muito maior do que hoje. Vidas Secas saiu e no mês seguinte já tinha resenha. Pense no caso da Rachel de Queiroz. Ela escreveu O Quinze, publicou, mandou para os críticos no Rio de Janeiro. E as pessoas leram. E comentaram, inclusive gente importante no mundo literário. O Davi Arrigucci estava reclamando um dia desses no jornal que não existe mais crítica e que por isso os livros morrem cedo. E é verdade.

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