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"Hoje só estão fazendo droga. É aquele negócio: falta cultura para cuspir na estrutura – e que culpa tem Cabral?" Como uma frase proferida a tanto tempo pode soar ainda tão atual? Para explicar isso, cabe apenas relembrar que foi o célebre autor desta e de muitas outras sentenças contestadoras. Apelidado como "maluco beleza", "metamorfose ambulante" ou "profeta do apocalipse", Raul Seixas (1945 – 1989) vai muito mais além do que esse tipo de redução. Após a sua morte, o músico ganhou notoriedade de mito, envolto em uma aura de bruxo místico.

Contudo, "Raulzito" apenas contestava a sociedade em q vivia, com um senso de humor incrível, e de uma certa ingenuidade. Mas não só isso. Ele também tinha seus momentos de melancolia e desespero, como atesta o mais novo livro sobre sua vida.

"O Baú do Raul Revirado" (Ediouro, 232 págs., R$ 49,90), organizado pelo jornalista carioca Essinger, não é uma biografia do cantor, mas funciona tão bem quanto. A publicação trata-se de uma versão ampliada de "O Baú do Raul", de 1992. O volume contém um apanhado de fotos, textos, rascunhos de letras, desenhos, recortes de jornais, etc. Tudo saído do acervo pessoal de Raul, que, literalmente, carregava seu baú de recordações onde quer que fosse. São cerca de mil imagens, acompanhadas de críticas de todos os álbuns, notas biográficas e um CD com gravações raras e inéditas.

De acordo com o autor, a idéia era fazer um grande volume ilustrado, que pudesse ser consultado durante anos pelos fãs. Essinger, aliás, também autor de "Punk – A Anarquia Planetária e a Cena Brasileira" (Editora 34), "Batidão: Uma História do Funk" (Record) e "O Melhor do Rock Brasil" (Irmãos Vitale). Um detalhe do livro que faz toda a diferença no resultado final é a relação de pessoas que apoiaram e contribuíram com o projeto. Kika Seixas, a terceira mulher de Raul, e Syvio Passos, presidente do fã-clube oficial do cantor são, sem dúvida, as maiores responsáveis pela preservação da memória do artista. Kika, aliás, prepara um documentário em longa-metragem sobre a trajetória do marido, a ser lançado até o fim do ano.

Para Essinger, em tom desafiador, é necessário ainda que alguém faça a biografia definitiva de Raul Seixas. Porém, ele reafirma o seu compromisso em "demolir os mitos" que cercam o cantor. O jornalista fez questão de incluir no livro flagrantes de tristeza, fragilidade e decepção registrados pelo baiano em seus cadernos de anotações. Principalmente nos últimos anos de vida, quando encarou uma pancreatite crônica (decorrente de décadas de abuso de álcool e drogas) e viu o gênero que ajudou a consolidar no país explodir sem a sua participação. No início da década de 80, Raul Seixas caiu no ostracismo.

Por isso, o leitor não deve se espantar com trechos que compõe o livro como "Aos 43 anos de idade tudo mudou para mim. Não faço nada com vontade, não tenho vontade de tocar, de escrever, só quero dormir, só sonhando sou mais feliz. Vivo só. Muito só". Ou então, "Há quatro anos que venho engolindo meus sentimentos, minha arte, minhas emoções. Tem sido assustador! Estou profundamente magoado por não ouvir minhas músicas tocando nas rádios, nem ser chamado para programas de televisão. Eles me esqueceram".

O livro termina com as inúmeras matérias publicadas na imprensa sobre a morte do artista. A enorme comoção dos fãs foi uma das maiores já vistas no meio artístico brasileiro. E isso, conseqüentemente, influiu no fato de Raul ter sido transformado em um mito nacional. Se Raul achou que permaneceria esquecido, enganou-se. Pena não ter vivido para perceber isso.

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